quinta-feira, dezembro 31, 2015

Ano novo, ano velho ou só a vida que segue

O adequado seria fazer uma retrospectiva do ano, como costumo fazer. Só que hoje não é um dia como todos os dias 31 de dezembro, hoje completo 5 anos de Rio de Janeiro e o peso que isso me traz é enorme: uma mão completa de vida, igual criança quando faz cinco anos e, ao perguntarem, lança a mãozona aberta pra frente sem necessidade de voz. 

Cinco anos. Três empregos. Três namoros. Uma viagem de três meses pra fora. Algumas perdas pesadas, outras nem tanto. Pessoas fantásticas, várias. Pessoas uó também. Pessoas de Recife que se tornaram meus irmãos aqui no Rio. Quatro carnavais em Olinda. Petrópolis, Laranjeiras, Copacabana, Tijuca, Santa Teresa, Bairro de Fátima. Uns trabalhos péssimos. Uns trabalhos massa. Umas poucas paixões fortes e demoradas, outras paixonites agudas e ligeiras. A cara quebrada algumas vezes e eu quebrando a cara dos outros tantas outras, assim como é a vida: minha, sua, deles. 

Hoje, 5 anos depois, já não tenho o desespero de ir-me embora do Rio, essa cidade cão que também me encanta, tampouco o desejo de ficar por mais 5 anos, pois tem muito mundo ai pra desbravar. Não sei, nunca se sabe. Ainda existe a Bahia e a vontade romântica de passar um tempo por lá. Tem São Paulo e a vontade mais prática. Hoje em dia, avalie, até Recife voltou a ser uma possibilidade, coisa que há um ano era fora de questão. Como é bom poder mudar de opinião!

O ano novo vem sempre, vamos agora ir até ele também?

Decidi que pra não haver conflito de prioridades, não vou fazer retrospectiva do ano, nem dos últimos 5 anos e nem projetar tantas coisas para o ano que vem cheia de textão. 

Só queria mesmo deixar a reflexão e o cuidado pra que a gente não deposite tanta responsabilidade em uma data, em um rito. Não é o ano que determina o que será bom ou ruim, somos nós. O ano começa um dia depois de hoje e por mais legal que seja pensar que será tudo novo de novo, racionalmente pensando é apenas amanhã: o dia depois de hoje. Não quero com isso diminuir o valor do rito de passagem, da renovação de energias e do tempo fatiado como diz tão sabiamente Drummond. Somos pessoas e pessoas precisam de algo pra crer, pra seguir em frente, pra virar a página, pra recomeçar. Nem que seja uma data que determinamos pra isso. A atenção que falo é apenas em não canalizar em um número nossas responsabilidades, expectativas e necessidades de mudança. Não é justo. Não vale ficar com a bunda no sofá esperando por algo que não tem razão pra vir se você não tá movimentando o Universo pra que isso aconteça. Não vale em meados de novembro ficar chateado mandando o ano ir embora, porque ele foi malvado contigo. 

O ano e o Universo que foram malvados ou a gente que mais uma vez se fez de maluco e esqueceu que o Universo e o ano giram de acordo com o que lançamos nele?

*eu gosto de escrever Universo com letra maiúscula. Grata pela compreensão.




quarta-feira, dezembro 30, 2015

"Carlos, Erasmo", você, eu e o choro retroativo

Sabia que Erasmo Carlos lembraria você e nossas infinitas discussões sobre ele e Roberto, sobre Tim, sobre Ben ser o maior gênio - mais que Tom Zé - sobre Macalé, sobre aquela música que Bethânia fez pra Caetano quando ele voltou de Londres, sobre Gil ser muito mais easy going que Caetano e eu pouco me fuder pra isso porque sou apaixonada por ele mesmo ele falando um bocado de merda vez em quando, sobre Hermeto ser gêmeo de Sivuca, Sobre Revolver ser meu disco preferido dos Beatles só por conta de duas músicas, sobre eu preferir Ringo e vc Paul e ai eu querer mudar de opinião pra preferir Paul também porque ninguém quer ser Ringo, só eu. Sobre eu pirar com Nina e você querer escravizar vocalmente Billie Holliday, sobre Jackson do Pandeiro ser teu novo vício e eu me sentir absolutamente lisonjeada por isso, por Lula e por todos os "meus" que agora são um pouco seus também. Pelas músicas que você cantava com essa voz tão bonita e adestrada que você tem, mesmo sem nunca ter feito aula de canto. Ou de música. Ou de nada do tipo. Pela gira que gira em mim e sempre girou quando você colocava as macumbas que te dei e outras que você achou. Sobre os garimpos naquele galpão empoeirado de Seu Maurício no meio do Centro do Recife e as dicas de ouro que a gente - eu e ele - te dávamos. Sobre vários outros músicos e bandas que você não conhecia e passou a conhecer e mais uma porrada que eu não conhecia e você me apresentou, sobre tudo. Musicalmente falando podemos dizer que tiramos nota 10 Parabéns em nosso relacionamento. Do início ao fim. Com direito a estrelinha no caderno e tudo mais. 

Enfim, por essas e por outras eu sabia que Erasmo me lembraria você, só não poderia supor que me tomaria de assalto como foi, como está sendo agora que dei play no disco "Carlos, Erasmo" e quase perdi o fôlego e desabei em um choro dramático logo no primeiro acorde de "Masculino Feminino". 

É que sempre que ouvi foi ao teu lado, sem motivo concreto pra ficar feliz ou triste, apenas um disco fluido de casa: você na cozinha preparando umas tapas divinas com aioli e eu no quarto editando. Eu gritando alguma coisa pra você e você lá de dentro gritando de volta que não dava pra ouvir. E eu gritando de volta que se não conseguia ouvir, como respondia com coerência? já me estourando de rir, sabendo que tu logo sairia da cozinha com um pedaço de alguma coisa gostosa pra eu experimentar. Porque tu sabia que era pra isso que eu gritava. Porque tu me conhece(ia) e sabe(ia) que aquele cheiro me mata(va). E você voltava pra cozinha e pouco tempo depois gritava de volta alguma coisa. E eu gritava que não dava pra ouvir. E você gritava que se eu não tava ouvindo, como respondia? E eu ia na cozinha porque sabia que você tava gritando porque queria que eu cortasse cebola. Porque tu odeia cortar cebola e sabe que eu acho interessante (algumas vezes) chorar com cebola, porque libera lágrima e coriza dando aquela sensação incômoda e incrível de limpeza, igual tá sendo agora (ainda que sem cebola).  

Mesmo sem decifrar uma palavra que o outro falava em cômodos diferentes, toda aquela cena era amor. Esse entendimento além do verbo. As tapas, a provinha, o gouda com cominho, a cebola cortada, as lágrimas, o vinho, a manteiga sempre no fim, a briga pelo travesseiro melhor: tudo isso era amor. E se agora eu choro, é porque é turva a resposta de onde as coisas começaram a ser não. Quando o aioli perdeu o ponto e ficou super líquido, quando eu parei de te olhar quando acordava, quando você não fez pirocóptero dançando uma música qualquer num domingo de manhã, quando o jogo virou, quando seu ego passou a ser maior que você e onde eu estava que não te puxei por trás pela camisa no primeiro indício e dei um tapão mandando se orientar. Depois já não adiantou mais nada, você já era cego e eu já estava farta. Onde estávamos que não demos jeito nisso desde o princípio? Onde você estava, meu bem? E como deu um jeito de voltar tão depressa, feito mágica, quando eu já não morava mais ali, em você? Por que eu precisei não estar mais presente pra você voltar pra sí e querer a todo custo voltar pra mim? Essas perguntas doem, uma a uma. A consciência de algumas respostas também, inclusive a noção de que nem toda pergunta possui uma resposta. Uma dor tão necessária quanto essa noite e um grande alívio, pois agora essas perguntas já não carecem mais de respostas. Só de um cantinho confortável pra descansarem em paz, sozinhas.

Finalmente botei pra fora tudo aquilo que ficou guardado, esperando a hora de chegar. Não queria sofrer em vão, queria que fosse verdadeiro. E veio. Finalmente veio. Uma tuia de lágrimas seguida de um alívio enorme. Uma noite, a penúltima do ano, um bocado de pensamento desatado dos nós, de nós. Agora sou eu e eu. Agora tudo fez sentido. Não haverá mais apontamento de dedo e nem cabimento pra mensagem descabida. Não vai haver mais mágoas, nem espezinhamento, nem desejos sinceros que você sofra o demônio por ter sido tão imbecil em sua vingança de espera. Por ter se desesperado. Não tem mais culpa. Revivi dois anos em algumas horas e inesperadamente só quero te agradecer: hoje sou uma mulher mais forte, mais firme, mais bonita e iluminada e nunca na vida que tiraria pedacinho do teu mérito nessa longa e árdua construção, porque somos feitos de pessoas e das gentes que passam por nossas vidas, todas elas: obrigada.

Seja feliz, siga em paz e, se não quiser passar por esse processo a qual acabei de passar, pois você já passou por processo demais, me devolva o disco Molhado de Suor, que é todo meu, que é todo eu. Ou escute ele com as janelas bem fechadas, pois sabemos que não haverá chance alguma de sair ileso à sua audição. Avalie bem a situação!

Com amor, ainda que bagunçado e perdido no meio de tudo,

Carlinha.

segunda-feira, dezembro 28, 2015

O medo da gente que a gente tem

A gente tem medo, todo mundo tem. Tem gente que tem medo da morte e pra compensar vive intensamente. Tem gente que não pensa sobre a morte mas treme nas bases quando o assunto é viver. Vive em parcelas, em prestações, com medo de magoar o outro e a si mesmo. Vive cheio de dedos, de melindres. Abraça mas não cheira. Cheira mas não beija. Beija mas não fode. Fode mas não sente. Tá sempre por ali dando um jeito de escapar pela tangente. 

Há, inclusive, a modalidade de não se deixar atingir diretamente por alguém, no máximo pela tristeza que possa causar ao próximo. Ou a alegria. O reflexo do próprio eu que volta trazendo uma nova informação que só existiu porque você existe e faz questão de afirmar isso em alto e bom som, pra não haver dúvidas. Sim, um tanto prepotente e arrogante esse pensamento, mas humano que somos não escapamos de cair na nossa própria ladainha. O perigo é acreditar de fato nisso, pois a que se pensar que esse tipo de medo, o último a qual me referi, tá mais com cara de quem joga para o outro uma fragilidade que é sua, usando esse artifício bobo, falho e raso de que a mágoa ou o prazer será causado, no fim das contas, apenas por nós mesmos. E o complemento tímido de que espera estar errado, porque fica um tanto esquisito não assumir de alguma forma que somos feitos de carne, osso e um bocado coração. Inatingível e inabalável, duas características que o homem não é por mais fantástica que a ideia pareça. Nem insubstituível. Então vamos com calma. 

Agora, conscientes disso, nos damos conta que estamos em um beco sem saída? Aceitamos a condição de viver o outro em sua superfície? Nos jogamos nessa piscina limitada, com pouca água? Vamos embora ao encontro de um mar aberto onde podemos percorrer sem medo de meter a testa nos arrecifes ou que tenha avisos luminosos de Perigo, praia sujeita a ataque de tubarão? Qual seria a solução?

É bem verdade que as pessoas-piscina, quadradas e limitadas coronariamente falando, são menos fascinantes que as pessoas-mar, vastas em sua plenitude, sem formato concreto, pessoas pouco geométricas. Eu sempre fui essa segunda opção e nunca foi importante quantas vezes minha testa tenha partido em mil pedaços. Se quebrava eu tratava de consertar e sair mais forte. Coração quebrado nunca foi uma desculpa ou um dispositivo de defesa pra me fechar no meu mundo que era mar ou rio, pra virar piscina. Nem doce e nem salgada: um negócio artificial e cheio de cloro. 

Parece que tudo ficou resolvido e claro. E que sabemos por onde percorrer. Acontece que, além disso tudo, tem uma confusão medonha no meio. É que tem gente piscina se fazendo de mar. E ai fica um negócio forçado, dá uma preguiça e também vontade de sair correndo pela terra o mais longe que se pode. E tem gente mar se prestando a papel de piscininha infantil que enche com a boca e mal cabe a própria pessoa dentro, tudo por um medo que não se concretiza e nem dissolve. Aquele tal do medo que na verdade é um medinho que faz sombra sempre que a pessoa tá sol demais. 

É essa gente que mais me preocupa: um universo inteiro comprimido em meio metro quadrado de possibilidades.

Pra quem me ensinou a abraçar com o coração

Parte I – Volver

“Aninha” era como você, agora, me chamava na tentativa de acertar o Anette tão diferente da Carlinha que você foi apresentado, cinco anos atrás, em Olinda.

Alegria na vida é poder se retratar e fazer as pazes consigo mesmo e com o outro, ainda que tantos anos depois. Era sobre isso que falávamos. E era impossível não relembrar com um carinho enorme aqueles dias de alegria, música, sorrisos e muito trabalho. Você, na produção da MIMO e eu cuidando do Jarzy Milewski, ao menos em sua ideia. Eu ali, pequenina, sentada na mesa daquele restaurante italiano com tantos gigantes ao redor e era só pra você que eu conseguia olhar, na mesa ao lado. “Qual era o nome mesmo daquele restaurante?” me perguntasse. Eu, você, o universo e a necessidade de nomificar as coisas pra trazer elas mais pra pertinho. “Faz quanto tempo que a gente se conhece, que rolou tudo isso?” “A MIMO é em setembro e essa edição foi em 2010.” “Putz, estamos em setembro de 2015!!! Faz 5 anos!!! Se cavucar mais um pouco a gente descobre que foi no dia de hoje.”  Eu, você, o universo e a necessidade de datar as coisas pra trazer um pouco de noção sobre tudo.

E sorrimos e brindamos com água com gás. É que a ressaca daquela manhã de domingo não me permitia mais cerveja.  Tava um sol de danar. Você ali todo importante me apresentando o Maracanã. E eu ali tentando entender que danado que tava acontecendo. 

Bora se ver de novo!” “Vamos sim!” Fico mais uns 4 dias antes de ir pra Aldeia Velha, te ligo”. Um abraço, outro abraço. Tchau!

Parte II - 5 anos se passaram

O Amazonas era bem longe e a ideia de sua existência, sobretudo em mim, mais distante ainda. Você e os índios, era tudo o que eu sabia através de postagens aleatórias no facebook. E sua voz doce e calma cuidando e trabalhando com essa gente tão de bem, era o restante que eu poderia concluir. E fim. E foi assim por anos. Até que você voltou: para o Rio e pra minha vida. E voltou tão sorrateiro que eu nem percebi, quando me dei conta já estávamos sentados em uma mesa de bar, depois daquele jogo de futebol falido, colocando em dia o assunto da vida inteira.

Nem tudo era índio, nem tudo era só poesia. E eu te ouvia e te ouvia e ficava contente com sua confiança em mim. Eletrorgânico. Trocasse a palavra índio por essa. Eletrorgânico era mais que um festival de cultura, era seu novo respiro e nova chance de inserção no mercado, como você falava quase que como um mantra, querendo acreditar na certeza do sucesso, dessa volta, disso tudo. Mas no fundo dos teus olhos escuros havia um abismo, uma vontade explícita de água doce que ficou naquelas terras distantes: "eu quero voltar pro Amazonas, Aninha. E tô trabalhando pra isso”. [A verdade é que você nunca saiu de lá], pensei. “Aninha, você virou uma mulher incrível! Que privilégio o meu poder estar aqui novamente."  

E sorrimos. E nos beijamos.


Parte III – O estranho entre nós

Depois do beijo tudo passou a ser não. Eu não estava leve, eu estava recém separada, coração em reconstrução. Você me queria leve e me queria farta e me queria por todas as vezes. Sem desculpa e sem demora. Sua necessidade de reconstruir a vida parecia me incluir no pacote. Um pacote que não me cabia. E nem me cabe. Um SMS sem resposta. Você tava entusiasmado pela sorte de ter me reencontrado solteira. O timing era perfeito, era tudo ótimo! Mas não era. “Acho que vou voltar o namoro a qualquer momento”, foi tudo o que consegui dizer, mudando por completo o seu semblante. E você respondeu cheio de sabedoria que da vida nada se sabe e eu, sempre cheia de certezas tantas vezes falidas, tinha a certeza que não estava errada. Que havia sim a chance da volta. E que era uma chance enorme. Bastava eu acordar e falar que o namoro voltaria e lá estaria ele, o namoro, existindo novamente. Era melhor você sair correndo dali, foi o que ficou mais ou menos no ar. Você tentou mais um pouco, tentamos, não tivemos sucesso. Ninguém vive na sombra de fantasmas. Você partiu e não voltou nunca mais mesmo que more no bairro ao lado do meu. Achei justíssimo. Ninguém suporta uma mensagem que não chega. 

E eu, até hoje, nunca acordei e voltei o namoro.


"Da vida nada se sabe."

Já passou da hora de aprender isso.

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Espírito Natalino X Espírito de Porco

Até quando o ser humano se propõe a fazer o bem da melhor maneira que pode, ele dá um jeito de ser um completo idiota - mesmo que, algumas vezes, por poucos segundos.

O ser humano idiota a qual me refiro sou eu mesma e posso explicar. Só que antes de tudo, um adendo: é bom que fique claro que esse texto existe por eu ser humana e, assim, cheia de falhas. E não pra querer aparecer ou ganhar alguma vantagem e mostrar como eu sou uma pessoa bacana e desapegada que estou fazendo algo legal, fugindo totalmente à filosofia taoista do fazer o bem sem querer os louros: apenas fazer e pronto. Resolver e pronto. Fazer as coisas de boas, na maciota, na calada da noite. Uma luz aqui e outra acolá e algo foi resolvido sem necessidade de holofotes ao benfeitor. Isso tudo ecoa dentro de mim desde o encontro de terça-feira naquele templo tão aconchegante. É o que venho tentado colocar em prática há algum tempo. 

Esse texto que ainda nem tem corpo é pra mostrar que mesmo com consciência e vontade de ser alguém melhor, a gente ainda é humano demais e desliza. E desliza sem conseguir controlar: quando viu o leite já tá derramado, quando viu perdemos o ponto do bolo, queimou foi tudo e precisamos reiniciar do ponto onde paramos antes de fazer a cagada: com coragem e esforço teremos sucesso! Pois bem, vamos ao caso:

Neste Natal pensei em algo diferente pra celebração do que eu e mamãe estamos acostumadas a fazer há 5 anos. Normalmente oferecemos uma farta de uma ceia pra receber os amigos e agregados "sem família" de Recife que moram aqui, assim como eu. É sempre uma delícia e sempre tem tanta comida que dá pra alimentar talvez o Recife inteiro. Aqui em casa e na de todo mundo que conheço. Dessa vez o espírito foi outro, bateu o insight e a ideia foi lançada: por que não pegamos toda a grana que gastaríamos nessa ceia e fazemos um lote de ceia-quentinha pra distribuir pela Lapa, para as pessoas em condição de rua, na noite de Natal? De bate e pronto mamãe comprou a ideia e não paramos de matutar. "E guardamos duas quentinhas pra gente comer depois" "ou podemos comer nossa quentinha com alguém na rua, caso alguém queira comer com a gente" "e podemos comprar mini coca-cola porque ninguém merece comer peru e farofa sem nada pra beber" "e tem que ter rabanada!" "e tem que ter lacinho vermelho e blá blá blá blá blá." 

Até que hoje fomos no mercado comprar tudo o que precisávamos e, lá pelas tantas, vimos que o carrinho estava cheio. E pesado. E foi quando o espírito de natal começou a se transformar no espirito do espertinho e malandrão e eu lanço a infeliz ideia: "mãe, essa compra deve dar em torno de 200 reais. Não é mais jogo a gente comprar com a moça da rua 20 quentinhas que vai dar esse preço também e a gente não tem trabalho e nem carrega peso até em casa?"

Nessa hora mamãe concordou comigo com um: "é mesmo, né?" e em seguida, uma olhando pra cara da outra, percebemos o quão mínimas somos. Me senti menor, muito menor que minha altura. Por sorte nos consertamos a tempo: "como assim, po? a ideia é a gente cozinhar. É a gente ter o mesmo trabalho que temos quando fazemos pra gente. É depositar o carinho no tempero. É montar e fechar cada quentinha. É colar os lacinhos de fita. É colocar as coquinhas pra gelar e levar no isopor. É fritar a rabanada e embrulhar no papel alumínio. e blá blá blá blá blá."

[Esse é o espirito da coisa] 

Falamos ou pensamos ao mesmo tempo, já não sei.

Fiquei triste comigo e com a gente. E ao mesmo tempo feliz em ver que tropeçamos mas logo tomamos tino e nos orientamos. E assim vamos aprendendo. O demônio escapou no impulso. Demônios, quem não os tem? O controle deles é uma tarefa árdua e diária e vai continuar sendo, não adianta bater de frente.

Sei que vai ter uma hora que a existência deles será muito mais um alerta à minha condição de humana do que um mal que possa ferir a mim e ao próximo. E eu sigo na luta pra assistir do alto do meu coração a chegada desse dia!

Diga: 1 mês!

Daqui a exatamente um mês vou passar um mês em Recife. Me dei conta disso na hora de dormir, ontem, mas sem ninguém por perto que compactuasse com isso e dividisse desta mesma empolgação, eu apenas dormi. Mentira, eu não dormi. Eu cochilei em dolorosas parcelas. Muito pelo calor, é verdade, só que agora vejo que grande responsável pelo meu ir e vir naquela cama cheia de travesseiros, Jake, lençóis e edredons se chama ansiedade. 

Um mês pra um mês, quem diria!!! Teve um tempo em que parecia que ia demorar uma vida e meia – e demorou. Mas agora só falta um mês e nem tou com agonia que passe tão ligeiro – é que quando chega perto demais, dá a impressão que se acaba depressa também. 

Então vamos com calma curtindo essa brisa da espera enquanto meu coração se endoida um bocadinho por aqui pra depois se acalmar por lá (ou endoidecer mais ainda. Coração vagabundo que tenho, vá saber). 

1 mês. 1 mês. 1 mês.

1 mês, porra!

 É o mantra do dia.

sexta-feira, dezembro 18, 2015

Energia que vem de dentro

Ai do nada uma amiga me fala que tá amando minha nova fase, que estou com uma energia ótima e em seguida se conserta, explicando que sempre tive uma energia ótima mas que estou radiante e linda e iluminada. 

Abri um sorrisão por dentro e não consegui pensar em nada diferente do clichê djavaniano: 'dizem que o amor atrai'. E é isso mesmo, com a qualidade de gente de bem que caminha ao meu lado e que carrego do lado de dentro do peito, não tinha razão alguma pra ser diferente.

Isso pra mim é uma oração e toda oração vem seguida de agradecimento, então só me resta agradecer!

2016, pode vir que estou pronta pra tu. E venha sem medo. E venha simbora todo prosa e feliz que é uma boa hora!

Doce criança

"Cabelo de biscoito!", disse a menina toda contente sobre os dreads de Julinho enquanto ninguém entendia o motivo. Logo ela explicou pra nós, adultos demais pra tanta imaginação: "é igualzinho aquele salgadinho Fofura". Sim, ela tinha toda razão!

- Criança é um máximo! (disse a Thay eufórica)
- Criança é um ácido. (precisei completar)


terça-feira, dezembro 15, 2015

O côco e o futebol

Não adianta entrar em discussão: o côco de seu Jackson do Pandeiro está entre Paraíba e Pernambuco bem como a taça de 87 tá entre o Flamengo e o Sport.

O Samurai e os olhos

Parece um pequeno samurai e sabe lidar com encantamento. Ri meio sem jeito, olha no olho e repete alguma palavra que falo achando graça. E repete de novo e diz que não temos que nos preocupar com nada. Que ninguém tem. Queria eu essa leveza toda da não culpa e nem desculpa. O só ser. E ir e vir. Permanecer sem peso, sair sem grandes demandas. Meio menino, meio criança e um completo galante urbano. Pulsos firmes e sem amarras. E um emaranhado de cabelo que se perde no vento, da praia ao Centro. E mais um riso e um risinho. E o corpo inteiro tentando convencer de algo que nem se sabe mais o que é com o passar absurdo das horas e da embriaguez da madrugada.

Samurai solto nesse abismo feroz e intranquilo chamado infinito.


segunda-feira, dezembro 14, 2015

Eu, você e o futuro azul

                                                                                                                  à amanda borba



Amanda me faz bem. Sim, a pessoa mais doidinha e insensata que conheci em outrora e que já me trouxe sentimentos escuros, hoje é uma das poucas que me traz serenidade nos olhos e franqueza nas palavras. Nunca pensei que isso fosse possível. Não sei exatamente o que faz uma relação mudar do negativo pra um abraço sincero pra valer mas é a prova que o mundo, por mais doente que esteja, ainda é palco de esperança e bons sentimentos. 

Não sei, mas arrisco que paramos de olhar tanto só pra gente e, ao mesmo tempo, de se preocupar tanto com a opinião dos outros. Mesmo separadas e por motivos distintos, parece que passamos pelo mesmo processo de cura, perdão e aprendizado. Alcançamos a dádiva da disposição de aprender a aprender. E aprendemos que nessa vida o que se leva é o que se planta. A gente finalmente escolheu plantar amor e agora estamos curtindo uma farta de uma colheita, com direito a Carneiros, Francisco e tudo mais!

domingo, dezembro 13, 2015

Gonzagão, a maior das lendas

Ontem assisti "Gonzagão, A Lenda" pela nona vez. E, pela nona vez, achei fantástica. No início, lá em 2013, me incomodava um tanto o metateatro, depois larguei de minha besteira e comecei a achar até isso bom, afinal, o nome da companhia da peça dentro da peça se estendeu para o nome da companhia real da galera: A barca dos corações partidos. E eu acho esse nome cafona e sensacional na medida certa.

Ontem foi especialmente especial por alguns motivos e o principal é que sai de minha zona de conforto e me joguei até o Meier pra isso, embaixo de chuva, na expectativa pra saber o que haviam mudado nos diálogos, mungangas e figurinos no último ano. Rever a cara de Duda ao mesmo tempo envergonhada e amostrada. Ouvir novamente aqueles diálogos fantásticos, me emocionar com as músicas e ficar tranquila que a saudade logo logo vai passar. E pra ver a alegria de Daniel, que batia mais palma que todo mundo junto no final de cada mini ato. "Eles são foda, né?"

Eu sabia que muitas das partes ele não ia entender ou ia ficar voando, seja pela história em si ou pelo sotaque forte e ligeiro mas também sabia que isso não ia interferir em nada na magia daquele encontro dele e do público carioca com os meninos tão afiados e integrados: onde acaba o ator e começa o personagem? Sobre Gonzagão, creio que nem eles saibam mais, já faz parte da vida de cada um. Como disse Duda: "a gente sempre tem medo que fique cansado e não tenha tanta energia em cena, mas não tem jeito, se a gente passa um tempinho sem fazer Gonzagão, a gente já fica morrendo de saudade."

E eu também!

Vida Longa à Barca, ao João Falcão e a esse universo lúdico e paralelo que nos transporta pra Exu, pra um Rio de Janeiro ido e tantos outros lugares sem nem sair da cadeira. 

Êêêê sertão!

Tomar uma chuveirada

Toda vez que escuto um carioca falar que vai tomar uma chuveirada eu não consigo me controlar, fico imaginando uma guerra maluca dentro do box: um bocado de chuveiro nocauteando o cidadão ou cidadã de bem que só queria se refrescar de boas.


Meu caminhoterapia

Sem me dar conta fui andando da Cruz vermelha até o Largo do Machado. Era um dia confuso, com informações trocadas e mágoas espalhadas pela parte de dentro do corpo. Era dia de libertação também. Não conseguia ficar exatamente triste mesmo que estivesse dentro do meu direito. Talvez, pra mim, já não fizesse tanta diferença tudo aquilo. Mas perdi, mais um bocadinho, a esperança na raça humana.

Enquanto atravessava os Arcos e caía na Glória, era nisso que eu pensava em um pensamento pra lá de distante, tipo balãozinho de desenho animado. Em seguida me dei conta que existe um monte de coisa mais importante e útil pra ocupar meus devaneios e ai de prontidão fui invadida: "puta merda, pelas contas Brecht já está no Brasil e em menos de dois meses vamos nos ver. Depois de quase 3 anos, vamos finalmente nos encontrar de novo!!!". Tenho certeza que, mesmo sozinha, devo ter aberto o sorriso mais feliz e empolgado que possuo. Senti até meus olhos mais molhados que o normal. Devia tá brilhando mais forte que o sol que me acompanhava na caminhada bem em cima de minha cabeça fervilhante. Parei de pensar em tanta coisa e apenas senti a informação a qual acabara de me tomar por inteira enquanto o sorriso permanecia grudado na cara. Um sorriso maior que o rosto.

A essa altura eu já tava quase chegando no Largo do Machado quando o moço que fica em frente a uma loja, com seu microfone nada discreto, lança a frase pra rua inteira ouvir: "que alegria, moça!! Daria dois reais por esse pensamento". 

E a única coisa que consegui fazer foi virar e falar: To feliz mesmo!

E segui adiante até o encontro perfeito com as esfihas e mate geladinho da Rotisseria. 

Eu saí de casa esquisita e muxôxa. E cheguei no destino final com um sorriso estampado na cara que deve ter durado ainda alguns instantes.

É sempre assim quando passo direto do ponto de ônibus e sigo meu caminho a pé, na paz, conversando comigo, desvendando minhas questões, trabalhando o otimismo, tendo as ideias mais geniais. Meu caminho para o bem. Meu caminhoterapia.

terça-feira, dezembro 08, 2015

Prólogo

Chegasse como uma salvação. Eu, em um bote, seguindo numa maré forte e vasta e com chuva e com raios e peixe agulha saltando nos meus olhos. Eu tava quase cega. Quase doida. Eu tava quase. Remando sabe-se lá pra onde, remando e pronto. Ora com força, ora deixando o bote escolher o rumo da próxima onda. Contente comigo, orgulhosa por um bocado de postura tomada nos últimos tempos, desvendando a mim mesma que desconhecia ser tão grande, mesmo dentro de um corpo tão miudinho. E vivendo dentro daquele marasmo raso da solidão. E tão profundo. E tão necessário. Eu via e ninguém me via. Me viam e eu não queria enxergar mais nada. E eu só via o que não devia: desvia, desvia, desvia. Até que tu me viu e eu não te vi. Não te vi por não querer ver, pobres humanos que somos. Te vi, finalmente. Bingo! Finalmente te vi. Te vi do nada. Acordei e te vi e pronto. Será que tu ainda tava me vendo? 

Abri só uma fresta. Tu era luz. 

segunda-feira, dezembro 07, 2015

Sede

- To com sede
- De água ou cerveja?
- De gente

Zuckerberg trolando as paqueras

à Thay, que descobriu que eu, que não tenho smartphone, posso tá me auto sabotando sem saber



E ai que a pessoa envia do computador um único coração, de repente apenas por achar que o coração é fofinho pra o contexto mas nada que comprometa, e a outra pessoa que está falando pelo celular, recebe uma chuva de corações. Uma tempestade. Um universo. Paixão avassaladora. Emoticon do capeta. Facebook forçando casamentos ou o susto alheio.


Não to desesperada, era só um coração, tá? <3

quarta-feira, dezembro 02, 2015

Um mar pra você

                                                                                 Ao meu amigo André Braga


Querias passar o ano novo aqui no Rio, justo aqui que é onde eu não queria passar. To mais pra mato, silêncios, sorrisos e abraços íntimos e não o abraço das pessoas que nunca vi na vida na praia de Copacabana, todas unidas pela mesma energia dos fogos e do aperto. Mas se tu viesse pra cá, enfrentava até essa loucura toda fazendo de conta que to achando é bom e no fim eu ia tá mesmo, só porque tu quer ver o mar. Eu também queria ver o mar - mas não o de Copacabana. Queria as águas mornas de Japaratinga que vocês sempre vão e eu sempre to no Rio participando de longe, de alma. Todo mundo nu correndo pela areia e se amando muito, cada ano mais. A real é que tá cada um num canto, sendo adultos e apertando F5 (não aprendi ainda que botão faz isso no mac!) na página da Gol pra ver se um milagre acontece. 

Eu aqui no Rio, tu ai em SP (fora o povo em Recife e o povo na Bahia). Uma ponte aérea tão banal e tão cara nessa época. Ou um trânsito quilométrico que não tem razão de enfrentar "só" por conta do mar. "Vou imaginar uma praia, só isso. Desenhar num papel ofício e mentalizar bastante", foi o que tu falasse na mesma hora que eu disse que ia desenhar uma praia pra tu e te enviar. E tu não acreditou e pareceu querer mais isso que o próprio Rio. A gente sempre comprando a ideia mais absurda do outro. Me aguarde, que tu sabes que levo tudo muito a sério. Amanhã é meu dia de folga e faça chuva ou faça sol, vou pegar minha câmera e dar um rolé geral pelas praias e fotografar pedaço por pedaço de mar, um bocado de mar. E vou imprimir tudinho e criar um mosaico só pra tu. E te enviar pelos correios: um mar pra você.

Ps- Espero que tu tenha esquecido da existência desse blog e só veja essa postagem quando o mar já tiver invadido SP.

Te amo que só!

segunda-feira, novembro 30, 2015

Func, Shfum, Xero

Podia ser uma língua aborígene, não fosse tão mais simples. E ao mesmo tempo tão mais complexo. Um xero, pra mim, não é um cheiro. É todo o entorno, antes e depois. Um xero é ato e consequência de um cheiro. Ato: cheira-se até quase a exaustão (ou não) pra no futuro próximo poder lembrar e usar esse xero nas lembranças.  Consequência: carregar um pedaço da outra pessoa por onde for. Um presente que levamos sem pedir, coisa nossa. Mais íntimo que um beijo, visto que a outra pessoa não precisa, necessariamente, participar da ação pra que ela exista. Ato: cheira-se ao vivo. O momento é aproveitado e caso vire mais do que um cheiro, ele vira um xero. Consequência: depois da existência de um momento ao vivo, ai sim mandamos xeros. Mas a verdade é que isso é uma invenção da moça que vos fala. Acho um modo tão bonito de se despedir ou cumprimentar alguém querido que não acho justo que ele, o xero, se resuma apenas à palavra e fim. Tá todo mundo por ai enviando xeros apenas por força do hábito ou bairrismo, sem nada antes ou depois. Mas ai tudo bem também, cada um com seu cada qual, há quem diga eu te amo só porque ficou mais fácil e eu não tenho nada com isso.

E que os cheiros virem cada vez mais xeros que virem cheiros que virem xeros que virem uma conta que não fecha! Func, Shfum!

Até a última casquinha

O machucado se abre e sangra. Sangra de escorrer, como deve ser, como faço por onde. E se não for assim eu não quero. Arranco casquinha por casquinha só pra sentir a ardência de cada uma. Uma a uma. Fria e calculista na minha própria causa. Até não haver mais casquinha alguma pra ser arrancada e me restar, tão somente, ir embora. 

Amor é um negócio que não tem cabimento ser meia bomba. Dor também não.

domingo, novembro 15, 2015

Dormir junto



A maior questão sobre dormir junto com quem não se tem o costume de dormir junto, não é a noite, o ato, o quarto escuro e o se virar para o lado em um sono cuidadoso. [Sim, cuidadoso porque estamos ao lado de alguém que quase nunca estamos e pelas próximas horas, sem palavras, só tato ou uma busca por espaço.] 

A maior questão é que dormir junto significa irremediavelmente acordar junto, não necessariamente ao mesmo tempo, mas no mesmo lugar. Com o mesmo raio de sol informando na fresta da janela que o dia amanheceu. E agora? O relógio do celular avisa que já tá na hora de não estar mais ali, mas o corpo dele, morto ao seu lado, diz o contrário enquanto te puxa pra perto de olhos cerrados. É possível que alguém esteja te esperando ou quem sabe dormindo, dormindo com outra pessoa e sentindo a mesma coisa. Da parte dele também. Da parte dela. De todas as partes. Uma conta que não fecha - essa loucura humana que somos. O hálito que tá estranho, a intimidade que se cria e se recria, a quase dor na consciência - ou a completa falta dela. A hora de ir embora. Até logo, até breve. O restante do dia inteiro com a pessoa no corpo, no cabelo, no queixo, no peito. E todo o vácuo no restante, a reconstrução do dia com aquela ausência-presença.

Dormir junto é sim muito mais grave do que qualquer transa gostosa que termina no meio da noite.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Um sertão no peito




Tenho o coração vasto e todo repartido. Tem parte partida em mil pedacinhos. Tem pedaço inteiro e árido feito o sertão, empoeirado, cheio de galhos e gados magros. Tem pedaço farto banhado por um rio de águas claras e bem fresco feito o Itaparica, lá junto do São Francisco e a outra banda pega fogo feito pôr-do-sol no céu sertanejo, de um laranjume e luminância que não têm igual em canto nenhum. Meu coração é feito de estradas, largas, de perder de vista, nuvens espalhadas de vários formatos: um coração brincante. É também igual vela que acende e apaga e acende e tem a chama mexida pelo vento e dança pra lá e pra cá em cima de mesa de madeira pesada e lascada pelo tempo dentro das casas de táipa, naquele lugar que ninguém foi, ninguém viu. Tem estrume também, que ora aduba, ora se deixa merdificar por tempos. Tem, com muita fome, vontade de percorrer todo o pedaço de mundo que puder, pra se repartir em mais pedaços, pra perder o fôlego e a condição de estar sadio e depois, miudinha, se dissolver e voltar a viver dentro de mim. Meu coração é um besta, é argila, é poço fundo, é arenoso, é liquido, é fluido, é travoso, tem de tudo. É um tudo. E o que ele menos é, é um músculo.

quarta-feira, outubro 14, 2015

Sobre expressões e lugares

Aprendi que o RJ é bastante democrático: se não temos dinheiro pra gastar, ainda podemos gastar onda e pessoas. Justo!

quinta-feira, julho 02, 2015

Ego, estúpido ego

Antigamente as pessoas faziam as coisas e, posteriormente, levavam os louros, se louros tivessem. Hoje invertemos as ordens: primeiro arrotamos pra depois comer. 

Por que?  

terça-feira, junho 23, 2015

Sobre o não São João

É estranho demais hoje ser uma noite comum, uma terça-feira qualquer onde todos dormem sobrios e sem cheiro forte de fumaça entranhado nos cabelos. Noite que não antecede um feriado longo e cheio de peido de véa, rojão e aliada numa sacola prontos pra fazerem zuada por todos os cantos. Hoje não tem cachorro se mijando de medo com tantos fogos no céu. Hoje não tem um céu limpo, limpíssimo e fumacinha saindo da boca enquanto espera o milho assado assar. Hoje não tem quadrilhas enormes, com marcador, pintinhas na cara, dente pintado de preto, rainha do milho, noiva, noivo e galope. Hoje não tem sequer um pé de serra vagabundo tocando na esquina, que dirá em todas as esquinas e arredores. Também não tem barraquinhas enfeitadas com uma infinidade de comidas típicas pelas ruas. Trajes típicos à venda nos sinais de trânsito para os retardatários, também não tem. E nem a dúvida cruel sobre em que festa ir, se fico ou se vou para o interior. Se Aldeia ou se Olinda.
Hoje não tem aquela euforia no peito de tanta alegria que essa noite traz. Hoje é um dia estéril por aqui, esquisito sempre e não tem Luiz Gonzaga tocando no Spotify que dê jeito.

segunda-feira, maio 04, 2015

7h30

é tarefa dificil sair da cama quentinha para o chão frio de manhã tão cedinho. 

você ali, com a pele mais lisa e alva do que todo o restante das horas. os lábios entre-abertos, por vezes com pedacinho do dente graúdo às vistas. e meu tapa olhos fazendo o papel de cortina. levanto devagar pra não te acordar mas te dou um cheiro pra você saber de mim. e o cheiro é retribuido como num sonho, vagaroso. penso que é a parte mais dificil do dia, te deixar ali. correr talvez fosse o mais seguro, escapar, mentalizar qualquer outra coisa. mas é justamente quando você, astuto, coloca apenas um olhinho na beira do
tapa olho. apenas um olhinho pra fora, quase aberto, quase fechado, mirando o restante do meu mundo inteiro e, minguando ali, minha única chance de não me atrasar.

terça-feira, março 31, 2015

No lugar

Arrumar em miudezas meu quarto me dá sempre a impressão de tá arrumando também a vida. Como se a cada parte do cômodo eu colocasse no lugar uma ideia antes vaga, mesmo que, na prática, tudo isso não passe de gavetas, caixas, pedaços de chão e de móveis. E de muitas fotografias.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

Das incongruências nos relacionamentos

Quando o namoro é recente, novinho em folha, com gosto de mistério e paixão a flor da pele, a gente quer se convencer - e pior - convencer ao mundo que apesar de verde ele já é todo maduro, é algo que merece a fé e o respeito de um relacionamento antigo. Sentimos necessidade de antecipar coisas, situações e, avalie, até declarações. O pouco tempo é lembrado, exposto e reafirmado como uma longa trajetória.
Quando o caso é o oposto: um relacionamento antigo, de anos, concreto, cheio de falhas ja decretadas e companheirismos abraçados, um amor talvez seguro (isso existe?), humano e maduro, passamos a sentir necessidade do contrário: convencer a gente - e o pior - a todo o mundo, que apesar de antigo ele é novinho em folha, começou agora, tá cheio de gás e pronto pra mais uma nova etapa. Que o tempo voou.
E quem é que entende a gente?

terça-feira, fevereiro 24, 2015

É tudo tão não concreto

Por muito tempo vivi uma vida bitolada. Não nas cores das roupas ou nas danças ou nos gostos, mas no pensamento - o que torna tudo mais grave. Não sei se por uma criação militar ou se por um senso de justiça que sempre me acompanhou desde pequena, mas o cinza não fazia parte da minha paleta de cor. Era preto ou era branco. Era tudo definitivo demais. E foi assim até quase agora. Os parênteses não entravam na minha cota, as nuanças só serviam na poesia. Na vida real era tudo concreto: as amizades eram para sempre. Os amores eram para sempre. As derrotas eram definitivas, sem chances de retorno. Podia-se, no máximo, renascer em um outro formato, mas uma vez derrotado nunca voltaria pelo mesmo corpo. As vitórias pareciam também eternas. 

Ai me pergunto: por onde andei durante todo esse tempo em que acreditei piamente que qualquer ação, na prática, era definitiva? Pior, como consegui viver por tantos anos assim sem perceber que tava errado ou no mínimo esquisito? Quantas coisas devo ter perdido ou ganhado na marra com esse pensamento? É doido pensar isso, mas talvez tenha sido meu pior defeito. Engraçado é que o start pra essa questão surgiu durante esse carnaval e, em tão pouquinhos dias, todas as minhas regras de tantos anos foram quebradas ladeira pós ladeira. E em uma semana eu não me vi mais na outra Carlinha que pegou o avião no Galeão, quase perdendo o voo por conta de um transito infeliz. Que bom que não perdi o voo. Talvez mais por essa questão toda do que pelo próprio frevo. 

Gente que não existia mais pra mim "em definitivo" e que foi reencontrada como se nunca tivesse saído dali. Gente que nunca parecia que sairia dali e saiu de mansinho, sambando miudinho. Gente que saiu "pra sempre" e que achei que "pra sempre" doeria. E nem doeu. Fez nem cosquinha, tão esquisito. Gente que tava muito mais linda do que parecia possivel ser. Gente que conheço desde sempre e que a cada carnaval tem um brilho mais forte no olhar. Gente que consegue, de algum modo, chegar ainda mais junto do que conseguiu durante todos esses anos. Gente que não era alheia e se tornou. Gente que era esquisita e se ajeitou. Um carnaval que sempre foi o melhor do mundo e esse ano se tornou algo além disso. Não só pelas ladeiras. Ou pelos metais. Ou pelas purpurinas, mas por todo o entorno e, principalmente, por tudo aqui dentro, mansinho, caminhando, observando, aprendendo e se avaliando, entre um axé e um abraço apertado.

Tomar consciência de que nada nessa vida é definitivo - para o bem ou para o mal - faz com que as possibilidades mundanas se tornem mais suaves, menos dolorosas ou carregadas de culpa. E assim, de algum modo, os caminhos se mostram mais abertos. E tudo parece diferente mesmo estando igualzinho, só por uma questão de consciência. 

É já que é tudo tão não concreto que tal, então, deixar em aberto?

domingo, fevereiro 08, 2015

Vontade de sei lá

Agora, sentada na minha cama, vejo meus pés encostados na pilha de roupas que separei pra levar pra Recife. Ao redor dessa cena, um quarto bagunçado em razão desta missão. Maquiagens, purpurinas, portas do armário abertas. Estou cansada. Passei o dia inteiro descansando e permaneço sentada na cama criando coragem pra finalizar a arrumação. Uma arrumação prazerosa se eu não me lembrasse da semana que vem pela frente, que graças a Deus termina na quarta-feira, mas que irremediavelmente precisarei encarar até que esse dia chegue.

Ai bate um banzo. Uma vontade de sei lá o quê. Sentada na minha cama, tenho preguiça de ir no quarto ao lado buscar a mochila. Queria que tivesse tudo pronto. Queria mesmo era dormir até quarta-feira e acordar no Aeroporto Internacional dos Guararapes com a voz sensual da moça informando que a tripulação tem que se preparar para o pouso. Uma das frases que mais me emociona na vida quando estou indo (e nunca voltando), seja lá pra onde for. Ou mesmo dentro do avião, tremendo de ansiedade naquelas 2h45 que demoram uma vida e meia pra passar, mas que vale cada minuto depois.

Sentada na minha cama eu penso em tudo isso e lembro da música do Paulinho. E coloco ela só porque sei que me dá vontade de chorar. Ou de ficar numa preguiça maior do que a que ja me encontro. Essa música é tão bonita, meu deus do céu. Penso em emendar com Frevo número 1 de Betânia mas ai já acho que é demais. Se fizer isso, meu quarto vai permanecer bagunçado e eu vou permanecer aqui. Procurando mais motivos para não me mover até que chegue quarta-feira. To melancolica e to feliz, tão esquisito isso. 

" A razão porque mando um sorriso e não corro\ É que andei levando a vida quase morto\ Quero fechar a ferida, quero estancar o sangue\ E sepultar bem longe o que restou na camisa colorida que cobria a minha dor".  isso é tão bonito, meu deus. Como não ter vontade de chorar? Que saudade. To numa saudade medonha mas nem sei direito de quê.

Sentada na minha cama - é preciso levantar - é só o que penso agora. Até que chegue a quarta-feira, "tão logo a noite acabe, tão logo este tempo passe, para beijar você..."

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Entre gatos, periquitos, plantei minha alegria

Aconteceu tanta coisa ao mesmo tempo nessa última semana que nem consegui me despedir como gostaria e sofrer um último tchau decente na Tijuquinha que tão bem me acolheu no último ano. Ao contrário disso, sai batida de lá cheia de sono pela manhã, em minha última manhã na Valparaiso. Tive 10 segundos enquanto percorria aquela rua tão agradável pra agradecer e dizer tchau, quase que no automático. E só agora, após essa semana frenética e infinita, que sento no meu sofá e faço uma retrospectiva - e não mais naquele big sofá incrivel e preto que me abraçava toda santa noite de domingo!

Quanto drama da minha parte, eu sei. Jaja estarei novamente esparramada no big sofá preto, em outro endereço, mais perto de mim. E enquanto isso não acontece, disfarço o charme que acho ser a entradinha da vila e a empolgação com a área externa pra eventinhos e reuniões de amigos. Disfarço também a facilidade que será chegar lá de bike ou até mesmo a pé, se der na telha. Disfarço essas coisas porque agora eu to sentindo pela Tijuquinha tão querida. To sentindo por não poder mais perambular pela casa de calcinha e só. Ou sem nada. E deitar no sofá nuinha. E não ter mais o Jorge feliz da vida ao me ver, sabe-se lá por qual motivo, nas tantas e tantas manhãs apressadas atravessando aquela portaria, com aquele banco e aquela parede de azulejos tão bonita. E não ter mais Brad e nem Pitt esparramados no chão e sendo acolhidos por todos que por ali passam. E nem mais o Vera Lanches nas madrugadas sem fim. (Sobre isso, não consido disfarçar a alegria em trocar esse podrão, mesmo sendo o melhor podrão do Rio, pela melhor padaria da madrugada e que fica a 3 minutos a pé da nova casinha!). O Botto não será mais um caminho feito caminhando. E o sushi da feira não acompanhará os domingos de ressaca com a mesma facilidade. 

O Largo da segunda-feira com certeza vai deixar muitas saudades acompanhadas de muitas e muitas histórias - boas e ruins, como em qualquer lugar. Mas não sei se pela dor devastadora em minha coluna ou se pela correria dos últimos dias ou se pela esperança de um futuro ainda mais gostoso, não consigo sofrer de verdade essa "perda". Dou uma remoída, tenho umas recaídas, mas não sofro e nem consigo, pelo contrário, semeio e vejo coisas boas chegando junto com a mudança. E, já que mudança é sempre uma boa desculpa pra comemorar, me coloco a postos e já imagino o vinil novo do Clube da Esquina rodando no quintal, enquanto o sonho de ter roupas quaradas se realiza e a cervejinha artesanal, caseira e gelada, enche os copos dos amigos pra um brinde ao novo lar!

terça-feira, janeiro 27, 2015

Um sábado pra não esquecer

Existem algumas maneiras de iniciar esse texto. Enumerar as figuras encontradas neste dia, num raio tão curto de distância, seria uma delas. Mas seria a mais óbvia, a mais quadrada. Então não incluirei todos os personagens pra que esse post não vire um livro, pois foram muitos.

Vou começar, então, do começo. No começo bem feto quando esse dia nem ia existir pra mim, pelo menos não do jeito que foi. E bastou uma decisão pra tudo mudar. Eu estaria em casa, provavelmente vendo um bom filme, curtindo o ar-condicionado e respeitando minha conta bancária magra, mas não foi assim que ocorreu e, por conta disso, lá estava eu e a galera no Coelho, tomando uma caipivodca que nem tava das melhores, olhando para todos os lados em busca de Anne. Loura de cabelos cacheados era a referência que eu tinha, afinal, fazia nove anos que não nos víamos. A irmã da minha irmã. Ela era tão criança, era gordinha e com rosto rosado. E ria do meu inglês fudido enquanto velejávamos num pedaço de oceano distante dentro do Canadá. Quando ela finalmente chegou e a vi, tive que conter as lágrimas: seria muito deselegante chorar em sua frente mas não por causa dela em sí, mas pela emoção a qual fui tomada em ver como ela se tornou uma mulher tão semelhante fisicamente à minha nossa irmã Samantha. A abracei como se abraçasse um pedaço de Sam e de fato era mesmo. Desatei a gastar sua lingua natal, enquanto ela desatava a falar também. Deu certo, nos divertimos e recordamos do dia em que confundi sobremesa com deserto e isso deu o maior rolo! E também da vez em que vi uma foca pela primeira vez na vida (talvez a única), no alto mar e comecei a imitá-la ridiculamente pra dizer que a vi, ja que não sabia como era a palavra. E também quando catávamos todas as berries do quintal e das florestas. 

É quando na pausa entre nossas lembranças, surge o primeiro elemento masculino da trama: meu ex, dessa vez sem ser on-line como de costume. Dessa vez sem bermuda quadriculada e todo contente, dizendo com ar de quem foi o único a conhecer Sam, que Anne era tão, tão igual a ela. "Mesmo sorriso e mesmo brilho nos olhos que são muito azuis." O único naquela roda que teria propriedade pra falar isso. Bruno, enciumou discretamente e perguntou onde escondi ela no periodo em que veio ao Brasil. De costas, escuto uma voz e identifico o segundo elemento da roda e da noite: meu quase ex namorado.  Em segundos um abraço sem graça e afastado, como sempre é desde a época em que ele decidiu me odiar, como se isso fosse mudar o que eu sou ou o que ele é. Pensei que, meu namorado, meu ex e meu quase ex na mesma roda de amigos era sinal de que ou ia dar merda ou ia ser, no mínimo, interessante. No fim foi mais que isso, foi massa. Fiquei tão feliz que bebi outro Coelho. No show, um puxava assunto, outro fazia uma brincadeira ou queria interagir. O abraço sem graça se tranformou em um cutucão em fração de poucas horas pra contar alguma coisa. Éramos, todos, mais que ex qualquer coisa. E Gustavo era mais que o atual namorado administrando uma situação que poderia ser chata. Fomos mais que pessoas civilizadas compartilhando da mesma alegria. Havia no ar a sensação de que todos se reconheceram ali, se relembraram ao vivo. E que um monte de coisa menor ficou menor ainda diante de todos os sorrisos. De todas aquelas danças e cantorias, diante de tantos amigos em comum saboreando de todas as presenças ao mesmo tempo, sem facções.

Ao menos naquela noite de sábado.