Por muito tempo vivi uma vida bitolada. Não nas cores das roupas ou nas danças ou nos gostos, mas no pensamento - o que torna tudo mais grave. Não sei se por uma criação militar ou se por um senso de justiça que sempre me acompanhou desde pequena, mas o cinza não fazia parte da minha paleta de cor. Era preto ou era branco. Era tudo definitivo demais. E foi assim até quase agora. Os parênteses não entravam na minha cota, as nuanças só serviam na poesia. Na vida real era tudo concreto: as amizades eram para sempre. Os amores eram para sempre. As derrotas eram definitivas, sem chances de retorno. Podia-se, no máximo, renascer em um outro formato, mas uma vez derrotado nunca voltaria pelo mesmo corpo. As vitórias pareciam também eternas.
Ai me pergunto: por onde andei durante todo esse tempo em que acreditei piamente que qualquer ação, na prática, era definitiva? Pior, como consegui viver por tantos anos assim sem perceber que tava errado ou no mínimo esquisito? Quantas coisas devo ter perdido ou ganhado na marra com esse pensamento? É doido pensar isso, mas talvez tenha sido meu pior defeito. Engraçado é que o start pra essa questão surgiu durante esse carnaval e, em tão pouquinhos dias, todas as minhas regras de tantos anos foram quebradas ladeira pós ladeira. E em uma semana eu não me vi mais na outra Carlinha que pegou o avião no Galeão, quase perdendo o voo por conta de um transito infeliz. Que bom que não perdi o voo. Talvez mais por essa questão toda do que pelo próprio frevo.
Gente que não existia mais pra mim "em definitivo" e que foi reencontrada como se nunca tivesse saído dali. Gente que nunca parecia que sairia dali e saiu de mansinho, sambando miudinho. Gente que saiu "pra sempre" e que achei que "pra sempre" doeria. E nem doeu. Fez nem cosquinha, tão esquisito. Gente que tava muito mais linda do que parecia possivel ser. Gente que conheço desde sempre e que a cada carnaval tem um brilho mais forte no olhar. Gente que consegue, de algum modo, chegar ainda mais junto do que conseguiu durante todos esses anos. Gente que não era alheia e se tornou. Gente que era esquisita e se ajeitou. Um carnaval que sempre foi o melhor do mundo e esse ano se tornou algo além disso. Não só pelas ladeiras. Ou pelos metais. Ou pelas purpurinas, mas por todo o entorno e, principalmente, por tudo aqui dentro, mansinho, caminhando, observando, aprendendo e se avaliando, entre um axé e um abraço apertado.
Tomar consciência de que nada nessa vida é definitivo - para o bem ou para o mal - faz com que as possibilidades mundanas se tornem mais suaves, menos dolorosas ou carregadas de culpa. E assim, de algum modo, os caminhos se mostram mais abertos. E tudo parece diferente mesmo estando igualzinho, só por uma questão de consciência.
É já que é tudo tão não concreto que tal, então, deixar em aberto?
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