quarta-feira, dezembro 30, 2015

"Carlos, Erasmo", você, eu e o choro retroativo

Sabia que Erasmo Carlos lembraria você e nossas infinitas discussões sobre ele e Roberto, sobre Tim, sobre Ben ser o maior gênio - mais que Tom Zé - sobre Macalé, sobre aquela música que Bethânia fez pra Caetano quando ele voltou de Londres, sobre Gil ser muito mais easy going que Caetano e eu pouco me fuder pra isso porque sou apaixonada por ele mesmo ele falando um bocado de merda vez em quando, sobre Hermeto ser gêmeo de Sivuca, Sobre Revolver ser meu disco preferido dos Beatles só por conta de duas músicas, sobre eu preferir Ringo e vc Paul e ai eu querer mudar de opinião pra preferir Paul também porque ninguém quer ser Ringo, só eu. Sobre eu pirar com Nina e você querer escravizar vocalmente Billie Holliday, sobre Jackson do Pandeiro ser teu novo vício e eu me sentir absolutamente lisonjeada por isso, por Lula e por todos os "meus" que agora são um pouco seus também. Pelas músicas que você cantava com essa voz tão bonita e adestrada que você tem, mesmo sem nunca ter feito aula de canto. Ou de música. Ou de nada do tipo. Pela gira que gira em mim e sempre girou quando você colocava as macumbas que te dei e outras que você achou. Sobre os garimpos naquele galpão empoeirado de Seu Maurício no meio do Centro do Recife e as dicas de ouro que a gente - eu e ele - te dávamos. Sobre vários outros músicos e bandas que você não conhecia e passou a conhecer e mais uma porrada que eu não conhecia e você me apresentou, sobre tudo. Musicalmente falando podemos dizer que tiramos nota 10 Parabéns em nosso relacionamento. Do início ao fim. Com direito a estrelinha no caderno e tudo mais. 

Enfim, por essas e por outras eu sabia que Erasmo me lembraria você, só não poderia supor que me tomaria de assalto como foi, como está sendo agora que dei play no disco "Carlos, Erasmo" e quase perdi o fôlego e desabei em um choro dramático logo no primeiro acorde de "Masculino Feminino". 

É que sempre que ouvi foi ao teu lado, sem motivo concreto pra ficar feliz ou triste, apenas um disco fluido de casa: você na cozinha preparando umas tapas divinas com aioli e eu no quarto editando. Eu gritando alguma coisa pra você e você lá de dentro gritando de volta que não dava pra ouvir. E eu gritando de volta que se não conseguia ouvir, como respondia com coerência? já me estourando de rir, sabendo que tu logo sairia da cozinha com um pedaço de alguma coisa gostosa pra eu experimentar. Porque tu sabia que era pra isso que eu gritava. Porque tu me conhece(ia) e sabe(ia) que aquele cheiro me mata(va). E você voltava pra cozinha e pouco tempo depois gritava de volta alguma coisa. E eu gritava que não dava pra ouvir. E você gritava que se eu não tava ouvindo, como respondia? E eu ia na cozinha porque sabia que você tava gritando porque queria que eu cortasse cebola. Porque tu odeia cortar cebola e sabe que eu acho interessante (algumas vezes) chorar com cebola, porque libera lágrima e coriza dando aquela sensação incômoda e incrível de limpeza, igual tá sendo agora (ainda que sem cebola).  

Mesmo sem decifrar uma palavra que o outro falava em cômodos diferentes, toda aquela cena era amor. Esse entendimento além do verbo. As tapas, a provinha, o gouda com cominho, a cebola cortada, as lágrimas, o vinho, a manteiga sempre no fim, a briga pelo travesseiro melhor: tudo isso era amor. E se agora eu choro, é porque é turva a resposta de onde as coisas começaram a ser não. Quando o aioli perdeu o ponto e ficou super líquido, quando eu parei de te olhar quando acordava, quando você não fez pirocóptero dançando uma música qualquer num domingo de manhã, quando o jogo virou, quando seu ego passou a ser maior que você e onde eu estava que não te puxei por trás pela camisa no primeiro indício e dei um tapão mandando se orientar. Depois já não adiantou mais nada, você já era cego e eu já estava farta. Onde estávamos que não demos jeito nisso desde o princípio? Onde você estava, meu bem? E como deu um jeito de voltar tão depressa, feito mágica, quando eu já não morava mais ali, em você? Por que eu precisei não estar mais presente pra você voltar pra sí e querer a todo custo voltar pra mim? Essas perguntas doem, uma a uma. A consciência de algumas respostas também, inclusive a noção de que nem toda pergunta possui uma resposta. Uma dor tão necessária quanto essa noite e um grande alívio, pois agora essas perguntas já não carecem mais de respostas. Só de um cantinho confortável pra descansarem em paz, sozinhas.

Finalmente botei pra fora tudo aquilo que ficou guardado, esperando a hora de chegar. Não queria sofrer em vão, queria que fosse verdadeiro. E veio. Finalmente veio. Uma tuia de lágrimas seguida de um alívio enorme. Uma noite, a penúltima do ano, um bocado de pensamento desatado dos nós, de nós. Agora sou eu e eu. Agora tudo fez sentido. Não haverá mais apontamento de dedo e nem cabimento pra mensagem descabida. Não vai haver mais mágoas, nem espezinhamento, nem desejos sinceros que você sofra o demônio por ter sido tão imbecil em sua vingança de espera. Por ter se desesperado. Não tem mais culpa. Revivi dois anos em algumas horas e inesperadamente só quero te agradecer: hoje sou uma mulher mais forte, mais firme, mais bonita e iluminada e nunca na vida que tiraria pedacinho do teu mérito nessa longa e árdua construção, porque somos feitos de pessoas e das gentes que passam por nossas vidas, todas elas: obrigada.

Seja feliz, siga em paz e, se não quiser passar por esse processo a qual acabei de passar, pois você já passou por processo demais, me devolva o disco Molhado de Suor, que é todo meu, que é todo eu. Ou escute ele com as janelas bem fechadas, pois sabemos que não haverá chance alguma de sair ileso à sua audição. Avalie bem a situação!

Com amor, ainda que bagunçado e perdido no meio de tudo,

Carlinha.

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