O ser humano idiota a qual me refiro sou eu mesma e posso explicar. Só que antes de tudo, um adendo: é bom que fique claro que esse texto existe por eu ser humana e, assim, cheia de falhas. E não pra querer aparecer ou ganhar alguma vantagem e mostrar como eu sou uma pessoa bacana e desapegada que estou fazendo algo legal, fugindo totalmente à filosofia taoista do fazer o bem sem querer os louros: apenas fazer e pronto. Resolver e pronto. Fazer as coisas de boas, na maciota, na calada da noite. Uma luz aqui e outra acolá e algo foi resolvido sem necessidade de holofotes ao benfeitor. Isso tudo ecoa dentro de mim desde o encontro de terça-feira naquele templo tão aconchegante. É o que venho tentado colocar em prática há algum tempo.
Esse texto que ainda nem tem corpo é pra mostrar que mesmo com consciência e vontade de ser alguém melhor, a gente ainda é humano demais e desliza. E desliza sem conseguir controlar: quando viu o leite já tá derramado, quando viu perdemos o ponto do bolo, queimou foi tudo e precisamos reiniciar do ponto onde paramos antes de fazer a cagada: com coragem e esforço teremos sucesso! Pois bem, vamos ao caso:
Neste Natal pensei em algo diferente pra celebração do que eu e mamãe estamos acostumadas a fazer há 5 anos. Normalmente oferecemos uma farta de uma ceia pra receber os amigos e agregados "sem família" de Recife que moram aqui, assim como eu. É sempre uma delícia e sempre tem tanta comida que dá pra alimentar talvez o Recife inteiro. Aqui em casa e na de todo mundo que conheço. Dessa vez o espírito foi outro, bateu o insight e a ideia foi lançada: por que não pegamos toda a grana que gastaríamos nessa ceia e fazemos um lote de ceia-quentinha pra distribuir pela Lapa, para as pessoas em condição de rua, na noite de Natal? De bate e pronto mamãe comprou a ideia e não paramos de matutar. "E guardamos duas quentinhas pra gente comer depois" "ou podemos comer nossa quentinha com alguém na rua, caso alguém queira comer com a gente" "e podemos comprar mini coca-cola porque ninguém merece comer peru e farofa sem nada pra beber" "e tem que ter rabanada!" "e tem que ter lacinho vermelho e blá blá blá blá blá."
Até que hoje fomos no mercado comprar tudo o que precisávamos e, lá pelas tantas, vimos que o carrinho estava cheio. E pesado. E foi quando o espírito de natal começou a se transformar no espirito do espertinho e malandrão e eu lanço a infeliz ideia: "mãe, essa compra deve dar em torno de 200 reais. Não é mais jogo a gente comprar com a moça da rua 20 quentinhas que vai dar esse preço também e a gente não tem trabalho e nem carrega peso até em casa?"
Nessa hora mamãe concordou comigo com um: "é mesmo, né?" e em seguida, uma olhando pra cara da outra, percebemos o quão mínimas somos. Me senti menor, muito menor que minha altura. Por sorte nos consertamos a tempo: "como assim, po? a ideia é a gente cozinhar. É a gente ter o mesmo trabalho que temos quando fazemos pra gente. É depositar o carinho no tempero. É montar e fechar cada quentinha. É colar os lacinhos de fita. É colocar as coquinhas pra gelar e levar no isopor. É fritar a rabanada e embrulhar no papel alumínio. e blá blá blá blá blá."
[Esse é o espirito da coisa]
Falamos ou pensamos ao mesmo tempo, já não sei.
Fiquei triste comigo e com a gente. E ao mesmo tempo feliz em ver que tropeçamos mas logo tomamos tino e nos orientamos. E assim vamos aprendendo. O demônio escapou no impulso. Demônios, quem não os tem? O controle deles é uma tarefa árdua e diária e vai continuar sendo, não adianta bater de frente.
Sei que vai ter uma hora que a existência deles será muito mais um alerta à minha condição de humana do que um mal que possa ferir a mim e ao próximo. E eu sigo na luta pra assistir do alto do meu coração a chegada desse dia!
Um comentário:
humanos somos e o que nos diferencia uns dos outros é exatamente essa capacidade de autoanálise, de revisão dos deslizes! Linda iniciativa a sua e de Ana! Um cheiro em cada!! Queria uma quentinha dessa!!!!!!! <3
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