quinta-feira, abril 12, 2012

Uma carta pra Marina






do Rio de Janeiro para Recife, 26 de março de 2012


Da flor, eu guardo o espinho, não nego. Espeta meu dedo, sangra e eu lambo. Eu gosto do gosto indefinido do vermelho que escorre. A flor é sempre bonita e vive envolta de alfinetes protetores. Eu também. Nos raspamos e ferimos, uma na outra. Tantas vezes nem reparamos que o corte é com nosso próprio espinho. Com nossas próprias angústias e teimosias que reflete na outra. Nos refletimos por bastante tempo. Eu te via na água limpa da lagoa, você me via nas águas geladas da Urca. Nos víamos como a nós mesmas. Nos esperávamos como esperamos nosso próprio tempo - desmedido. E o atraso de uma vinha seguido da impaciência da outra - ou de nossa própria impaciência e intolerância com os segundos errados ou fora de ordem, de hora. A mais ou a menos. Mas como flores que somos, seguimos naquela marca que o pé faz na areia da praia por tempos e tempos. Ora andando, ora seguindo. E quase todas as horas seguindo e andando, lado a lado,simultaneamente. O tempo do nosso instante, que algumas vezes pareceu se quebrar, deixando os ponteiros e o vidro no chão da cozinha, foi o mesmo responsável por unir, por admirar, criar admiração e ternura. Foi o mesmo responsável por tantas palavras ditas e ouvidas, por tantas conversas e sonhos adolescentes em meio a turbulência da vida adulta. Foi esse mesmo tempo capaz de fazer retroceder, retorcer, machucar. De arranhar o disco da nossa música predileta, dos nossos sorvetes, das massas com tomate italiano, dos vinhos regados a sorrisos e olhos brilhantes, das cantorias em alto, muito alto e bom som. E fazer tudo ser tempo parado, tempo envolto de nada. Pudera eu mudar isso? Pudera tu adiar tal feito? Sim, não. Que resposta se pode dar a uma pergunta inexistente? Tempo parado não existe. Existe tempo distante, tempo em que tudo continua a acontecer exatamente da mesma maneira como sempre foi ou é: a manhã, o sol na janela, o ventilador no calor de 50 graus do Rio de Janeiro. E, junto a esse tempo que não para, tantos outros acontecimentos e vida. Nosso tempo não parou, ele sequer ficou envolto de nada. Ele continuou a ser construído, passo a passo, dia a dia, em cada silêncio meu correspondido por um silêncio teu. Até o instante em que o filete da saudade escorreu com doçura em forma de fonema. Talvez de você, ou de mim, que importa? Quem se importa? O tempo continua, a cada dia. Não perdemos o timing do nosso instante. Quebramos o relógio justamente pra não descompassar, descompensar. Fomos gente grande e cheias de uma educação e cordialidade que não esperava de mim e nem de você. Confesso que sinto que estamos de parabéns, apesar de nem saber direito o por quê. E também gostaria de dizer que o relógio da cozinha tá rodando no mesmo sentido que sempre.
 
Rumo ao amor e aos instantes que procedem.
 
Agora, um segundo a mais.
 
beijos, muitos.

2 comentários:

nina disse...

Ainda estou aqui me recuperando da bela surpresa que encheu o restinho do meu dia de mais amor e alegria (e poesia também).
Assumo que quando vi a carta e o presente, corri logo para ler a carta e deixei o presente pra depois. Caramba, não tenho como descrever como gosto de ler o que você escreve quando fala de sentimentos. É lindo por demais! Acho até que quero ser tua amiga de cartas agora, que nem antigamente. : )
Conseguisse descrever de uma forma tão bonita tudo o que a gente já viveu, sentiu , passou..me deixou com um gostinho de saudade e alegria. é, alegria de ver que, como você mesma falou, conseguimos conduzir nossas chatices e chateações de uma forma tão mais madura, compreendendo que somos humanas e que relações humanas tem dessas coisas. Não gostamos do que vemos na gente e/ou no outro e isso nos desnorteia e desestabiliza a gente e nossas relações. Acho que você fez uma bela leitura do que vivemos e continuamos a viver.
Mas, bom, não quero mais falar da gente porque qualquer coisa que eu venha escrever vai ser boba comparado ao que você disse ali naquela folha tão sabiamente.
Quero aproveitar para dizer o quanto te acho talentosa. Você tem uma criatividade sensível sabe? Ou seria criatividade e sensibilidade, assim separadas? e juntas ficam lindas. Sou sua fã, já disse e repito. Ainda pego me perguntando porque você não escreve um livro. Seria a minha Viviane Mosé..só que mais limpa, mas clara..o que me faz admirar ainda mais.
Não perde isso. é demais!


Há, e como não podia deixar de ser, depois da emoção passada, fui correndo abrir meu lindo embrulhinho de poá (não é assim que chamam as bolinhas? ehehe)..
Achei lindo o colar! Muito, muito. Parece que adivinhasse..estava comentando um dia desses com mainha como queria uma corrente longa com uma espécie de mandala pendurada..já que perdi meus dois que tinha. Gostei muito mesmo.


Obrigada de coração pelo que me você fez sentir hoje. E pelo que me faz sentir sempre que te leio.


beijo cheio de amor.


nina!

Anette Alencar disse...

é amor,né? Ninguém disse que amar era fácil.

Olha, amanhã você vai fazer uma falta danada na minha festinha... Até Leo vem! Ah, acredita que ele tá pra morar com um amigão do igor que tava precisando de alguém pra dividir ap? A vida é a arte do encontro mesmo... E a gente só faz unir amor e laços. Te espero para o próximo abraço!