Existe em mim um pensamento que acredita ser a coisa mais impossível da existência, a própria existência.
A vida física por tantos e tantos anos. Quando paro pra pensar nisso, fico perplexa em como conseguimos viver até a morte natural do corpo, sem que isso ocorra antes. É claro que isso acontece no mundo, o tempo inteiro, todos os dias, mas, somando as pessoas do mundo todo e não as pessoas que conhecemos.
Conhecemos mais pessoas vivas do que mortas. Muito mais. Vamos mais a festas de aniversário do que a enterros. E como isso se explica?
Todos os dias atravesso várias ruas e não consigo contabilizar a quantidade de vezes que já fui quase atropelada, por pura distração. No Brasil, circula uma média de 17 milhões de armas de fogo e nenhuma, nenhuminha delas nunca me acertou, nem de raspão. De doença eu nem falo, pois essa me assusta, e, mais do que bala de fogo, atropelamento e distração, é a que mais me assombra, por ser a mais comum a cada dia, todos os dias. Com pessoas distantes e outras nem tanto.
Mas o fato é que pra mim é maluco demais pensar que as crianças correm na beira da piscina molhada e dão um mortal (o nome já diz) pra dentro dela e nunca batem a cabeça na quina e morrem. Eu passei dos 5 aos 15 anos fazendo isso, e, sequer levei um corte. Já tomei muito banho de mar de fim de tarde e noturno, em noite de lua cheia (que o mar fica bem violento) e, o máximo que me aconteceu, foi um arranhão forte na sobrancelha, após um sarrabulho sinistro. O mar nunca me levou.
Já desmaiei em um meio fio, mas me tiraram a tempo do ônibus passar. Já negociei irresponsavelmente várias vezes com trompadinhas que quiseram me assaltar com vidro e canivete. Umas deram certo, outras eu tive que correr e, de sequela, apenas uns xingamentos. Já voltei pra casa, a pé, bêbada, de madrugada e nenhum carro de playboy me acertou.
Já fui atropelada por um carrinho de cachorro quente, na praia, mas só quem se machucou foram os pães e as salsichas.
Já passei de carro no instante em que um homem atirou em uma mulher de bicicleta.
Já escapei de estar no banco do carona, uma vez que o carro (uma ranger) deu PT ao bater no poste, arrancando-o, e, o poste caiu exatamente em cima do banco do carona. Meu irmão (que tava no volante), não sofreu UM ARRANHÃO. O lado do carona esmagou completamente, o gerador caiu na caçamba do carro e, a única parte ilesa foi o local onde ele estava sentado. Eu teria morrido esmagada se meu pai não tivesse me proibido de sair com ele por ser ano de vestibular. (por sinal, o ano que eu saí mais do que qualquer outro de colégio).
Já cobri vários e vários espelhos de casa por conta de raios e trovões e eles nunca cairam no meu quintal, e olhe que era um quintal muito propício e a céu aberto. Mas, em 23 anos, nunca caiu. Já caiu na trave de futebol do campinho perto.
E, apesar de já ter visto várias árvores gigantes caídas em Aldeia, nunca passei por baixo de uma justamente na hora. Isso sem falar das cobras venenosas que meu pai sempre achava em casa e das jacas que caíam pelo menos 5 por dia. E se fosse na minha cabeça?
Eu já quase morri algumas vezes, como todo mundo já deve ter passado por isso. Mas é justamente esse quase que torna tudo muito maluco e uma probabilidade desequilibrada entre morrer e não morrer.
E, se em alguma dessas quase situações, tivesse, de fato, acontecido o que chamamos de fatalidade, seria muito triste. Seria uma tragédia. Sim, de fato, seria. Nós humanos fomos educados para não aceitar e não achar comum esse tipo de coisa, apesar de, racionalmente, parecer ser o normal. Mas não é. O Normal não é o com maior probabilidade e sim o mais natural. Esse que esperamos a vida inteira para acontecer, e, mesmo sabendo que um dia chega,e, mesmo que seja da maneira mais natural possível, ainda nos chocamos e sofremos.
Tivemos uma vida inteira para se preparar para tal, mas, uma vida inteira não parece suficiente pra se acostumar com coisas que envolvem amor e afeto.
É, as vezes me pego pensando nisso!