segunda-feira, maio 24, 2010

E agora, Budapeste? ou A hora do tchau

O rádio-relógio apontava três horas da manhã. As três horas mais remoidas e rápidas e doídas e esperadas e esquisitas e aquela coisa toda de todo aquele ano que passou. Uma confusão só. 'A gente se preparou para isso, lembra?' Tentei me segurar nessa frase dita tantas vezes como forma de convencimento ou consolo, apesar de sempre ter minhas dúvidas sobre esse preparo todo, tenho a impressão que a gente se preparou para gostar e não pra dar tchau, enfim.

A única vontade naquele momento era de olhar o outro o máximo que pudesse, todos os minutos que ainda faltavam, pra decorar o lugar de cada pintinha, cada fio de cabelo voando pelo rosto. Foi a maneira que escolhemos para matar a saudade, se por ventura viéssemos a sentir. Deitamos de lado, um de frente para o outro. Nossa respiração estava mais baixa, respirávamos o ar do outro, o ar dele entrava pelos meus olhos secando as gotas recém formadas de forma conveniente, afinal, nunca haviamos chorado.

Ele começou a lembrar de histórias e aventuras e conversas -Lembra de quando a gente tava doente e você falou que tamo junto na saúde e na doença? -Lembro, até que Budapeste nos separe. Engraçado, a gente achava graça em tudo. -A gente vivia correndo ou na chuva ou pra pegar o carro. -Você achava estranho meu jeito calmo irritado -E você é muito impulsiva, ainda hoje -E você que parou de tomar coca-cola? Quem diria -E você ainda fala o que não deve quando bebe -Quando bebo coca-cola? -Não,né. -A gente contava tanta mentira. -É, a gente mentia demais. -Ah, então era mentira quando você disse que? -Não, nem tudo. -Era sim. -Não era.

Três e meia da manhã, o relógio disparou. Era estranho pensar que já estava na hora. Mesmo sabendo que ela ia chegar, não tinha como fugir daquele bolo instalado no meio da garganta. Ele ligou para o taxi enquanto eu mentalizava que demorasse a atender ou que não atendesse, mas foi de primeira "teletaxi, Rosana, bom dia", é sempre assim, se fosse na noite de ano novo, no carnaval ou no dia em que eu estava na rua, doente e embaixo de chuva, Rosana não ia atender com toda essa presteza e rapidez. -Puta! Pensei em voz alta. -Rosana filha da Puta, ele respondeu.

Enquanto o taxi não chegava, a gente discutia sobre ir me levar no aeroporto. Eu não queria que ele fosse e ele disse que ia e eu disse que não e ele que sim e que não. E quando vimos, o taxi já estava buzinando, sem o mínimo de piedade ou de consciência a respeito daquele instante mais carregado que arma. O coração ficou pequeno, os dois. Nos olhamos, respirei fundo. -Acho que perdemos esses últimos cinco minutos inventando desculpas ao invés do abraço forte. -Então me abraça. O taxi voltou a buzinar, dessa vez com mais impaciência. Entrei no carro, ele se virou e seguiu pra casa - talvez para o bar, vá saber- em passos lentos. Nos poupamos do adeus por olhar que dói tanto.  Percorri o caminho para o aeroporto pensando que tivemos vários cinco minutos durante todo esse tempo, todo esse ano. Eu sei que ele também pensou isso.

Provavelmente choramos o nosso primeiro choro juntos, separados.

Um comentário:

Laura Gallindo disse...

''Mas as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão''.