quinta-feira, maio 27, 2010

lua

Noite vazia e silenciosa, musicando os poros. Lua percorrendo rosto,percorrendo pernas,percorrendo música. Som de música e respiração. sem eco. Qualquer pensamento dando um aú na cachola. Tanta coisa. Coisa nenhuma. Gotas de chuva entre sins e nãos. Não chove, não para. Uma paz tão íntima que por um isso é quase triste,

não fosse tão necessária a solidão.

quarta-feira, maio 26, 2010

O meu nome

É verdade, às vezes me sinto atrevida quando perguntam meu nome e eu, na cara limpa digo: Anete. E digo sem medo de parecer nova demais para isso. Quando criança tinha um pouco de vergonha mas não tinha como esconder, na hora da chamada os professores não aliviavam: "Anete Carla?". A carteira de estudante, tabuadas, ditados, homenagens ou qualquer outra coisa pública, sempre me entregavam e meu rosto ficava tímido-quente. De fato, eu era menina demais pra carregar o fardo de ser Anete, assim, tão de repente. É que nem uma bêbê, sem aviso prévio, se chamar Vera ou Carmem, não dá. E bem sei: Anetes, Ivones, Lourdes, Veras, Carmens, Amélias, todas elas, já deveriam nascer com pelo menos 58 anos. Eu ainda não tenho idade e nem vivência pra merecer esse nome. É parecido com moço broto usando barba, não é para todos. O mais engraçado é que sempre me fazem perguntas como uma forma de me testar, pra ver se é esse mesmo o meu nome. Certo dia, chegou um colega perguntando: "Teu nome é de origem judaica? pois a única Anete que conheci na vida tinha sobrenome de judeu e tinha uns 100 anos". Isso aconteceu no mesmo dia em que uma menina me perguntou se eu tinha descendência indiana, pelos traços. Era informação demais pra uma Carla qualquer. Com relação ao indiano, eu saberia responder: minha família era um misto de índios com sírio libaneses e ela possivelmente achou que eu fosse meio indiana por conta de algumas roupas e os olhos "gordos no centro, porém, esticados". Ouvi isso a vida inteira. Pior era um namorado que tive, vez por outra dizia que eu tinha uma beleza excêntrica. Até hoje eu não sei se isso era bom ou ruim. Mas sobre Anete, meu nome, não saberia dizer. Lembrei de uma amiga falando que era o nome de uma flor, mas preferi não arriscar, depois ele perguntava sobre a flor... E respondi um "não sei", dissimulado e verdadeiro. Percebi de imediato o ar de decepção no rosto do garoto. Logo tratei de descobrir um pouco mais sobre meu nome. Anete é de origem francesa, simples assim. Anetes são teimosas, criativas, carinhosas e sinceras. Foi o que disse o texto. Bom, tenho até meus 58 anos pra descobrir mais coisas e poder, finalmente, merecer e envelhecer com Anete, Carla e quem mais aparecer.

segunda-feira, maio 24, 2010

E agora, Budapeste? ou A hora do tchau

O rádio-relógio apontava três horas da manhã. As três horas mais remoidas e rápidas e doídas e esperadas e esquisitas e aquela coisa toda de todo aquele ano que passou. Uma confusão só. 'A gente se preparou para isso, lembra?' Tentei me segurar nessa frase dita tantas vezes como forma de convencimento ou consolo, apesar de sempre ter minhas dúvidas sobre esse preparo todo, tenho a impressão que a gente se preparou para gostar e não pra dar tchau, enfim.

A única vontade naquele momento era de olhar o outro o máximo que pudesse, todos os minutos que ainda faltavam, pra decorar o lugar de cada pintinha, cada fio de cabelo voando pelo rosto. Foi a maneira que escolhemos para matar a saudade, se por ventura viéssemos a sentir. Deitamos de lado, um de frente para o outro. Nossa respiração estava mais baixa, respirávamos o ar do outro, o ar dele entrava pelos meus olhos secando as gotas recém formadas de forma conveniente, afinal, nunca haviamos chorado.

Ele começou a lembrar de histórias e aventuras e conversas -Lembra de quando a gente tava doente e você falou que tamo junto na saúde e na doença? -Lembro, até que Budapeste nos separe. Engraçado, a gente achava graça em tudo. -A gente vivia correndo ou na chuva ou pra pegar o carro. -Você achava estranho meu jeito calmo irritado -E você é muito impulsiva, ainda hoje -E você que parou de tomar coca-cola? Quem diria -E você ainda fala o que não deve quando bebe -Quando bebo coca-cola? -Não,né. -A gente contava tanta mentira. -É, a gente mentia demais. -Ah, então era mentira quando você disse que? -Não, nem tudo. -Era sim. -Não era.

Três e meia da manhã, o relógio disparou. Era estranho pensar que já estava na hora. Mesmo sabendo que ela ia chegar, não tinha como fugir daquele bolo instalado no meio da garganta. Ele ligou para o taxi enquanto eu mentalizava que demorasse a atender ou que não atendesse, mas foi de primeira "teletaxi, Rosana, bom dia", é sempre assim, se fosse na noite de ano novo, no carnaval ou no dia em que eu estava na rua, doente e embaixo de chuva, Rosana não ia atender com toda essa presteza e rapidez. -Puta! Pensei em voz alta. -Rosana filha da Puta, ele respondeu.

Enquanto o taxi não chegava, a gente discutia sobre ir me levar no aeroporto. Eu não queria que ele fosse e ele disse que ia e eu disse que não e ele que sim e que não. E quando vimos, o taxi já estava buzinando, sem o mínimo de piedade ou de consciência a respeito daquele instante mais carregado que arma. O coração ficou pequeno, os dois. Nos olhamos, respirei fundo. -Acho que perdemos esses últimos cinco minutos inventando desculpas ao invés do abraço forte. -Então me abraça. O taxi voltou a buzinar, dessa vez com mais impaciência. Entrei no carro, ele se virou e seguiu pra casa - talvez para o bar, vá saber- em passos lentos. Nos poupamos do adeus por olhar que dói tanto.  Percorri o caminho para o aeroporto pensando que tivemos vários cinco minutos durante todo esse tempo, todo esse ano. Eu sei que ele também pensou isso.

Provavelmente choramos o nosso primeiro choro juntos, separados.

segunda-feira, maio 17, 2010

bem na mão ou o bem na mão


A cada dia me convenço mais que o coração do homem mora nas mãos.


Mãos que acariciam, amparam e dão adeus. Sim, é lá que ele habita e é bem no centro de cada uma.

As vezes transborda para os dedos e um pouco para os pulsos. Quando eu toco uma na outra - em cada detalhe - tenho certeza.



Repare nas mãos... elas nunca sabem onde pousar
Ampare as mãos, um dia você há de precisar
Apare as mãos para não se entregar
Prepare bem as mãos quando quiser amar

terça-feira, maio 11, 2010

Nosso lar


1. Pessoas dividindo o mesmo teto, as mesmas angustias e vibrações. Não apenas por obrigação, tenho a leve impressão que se cada um deles pudesse escolher os 4 membros pra compartilhar de toda essa loucura que é viver, ou melhor, que é viver nesse nosso mundo, teriam eles, se escolhido. Aquela casa, aquelas cores, aquele cachorro que mais parece gente. As molduras e blocos esculpidos com uma perfeição esquisita. Feitos pra se olhar quantas vezes o tempo permitir. Aquilo tudo me remete passado, um passado antigo e não velho. Pessoas sérias que por baixo da voz tensa, guardam um enorme coração. Guardar não é esconder. Eles não escondem, apenas guardam. Não existe o medo de ferir ou sair ferido, costumam ir até o fim. Por sorte sabem que o fim tem direito a perdão e amor. Por que aprenderam desde sempre que se precisam, que se amam, e,mais que isso, que gostam de sentir essas coisas. Ao contrário do que parece, naquela casa quase não havia espaço para festas e grandes comemorações. Conhecendo paralelamente cada um dos membros, que juntos formam uma família, fica quase impossível acreditar nisso. Mas era assim. Dizem que por terem uma luz tão forte cada um. Uma vibração tão potente, que juntos, não sabiam como administrar isso. Tudo intenso demais, tudo pra sempre ou nunca mais. Ora amor, ora dor. Mas a luz de cada um permanecia intacta. De toda forma, eles se escolheriam. Sim, se escolheriam. Por que o apesar das coisas fazia parte daquilo tudo. Sem os apesares e os pesares, não seriam eles quem são. Não seria ele o patriarca respeitado e admirado e nem ela um beija flor que dança por entre todos, em busca do entendimento. Não seria ele o doce garoto, responsável, protetor. Não seria ela a causadora de amor involuntário, de pulso. Enquanto um pesa o outro flutua, tem espaço pra tudo.

- Eles se completam, disse ela baixinho.

2. Tenho tanta propriedade pra falar dessa família que fico sem jeito. É tudo tão profundo, é tudo tão expansivo e detalhado. Cheio de retalhos, de emendas. Os corações foram costurados com fios de ouro várias vezes. É tudo tão tão, que fico sem saber como falar. Na verdade, eu sei que toda família é assim. Mas como tenho intimidade demais com essa, fica tudo maior. Principalmente quando visto de dentro, sem uma grandeangular pra me ajudar. Mas o que importa é onde tudo isso, toda essa loucura nos levou e nos transformou no que somos hoje. Cada um. Família precisa morar junto pra ser família?? Acho que o pai dos burros não entende que esse significado é obsoleto. Talvez eu precise inventar uma nova palavra para o meu estilo de família. Mas no final de tudo isso, tudo o que me restou foi uma imensa soma de afetos, maior do que quando eramos a familia do dicionário. Eu precisei da distância pra medir o tamanho do amor pela minha mãe. Foi quando conheci na pele e na vera o real sentido da frase "amor de mãe não se mede". E precisei da decepção pra saber que o que eu sinto pelo meu pai é mesmo amor. amor simplesmente por amar. O amor mais puro. Com meu irmão as coisas não mudaram muito. A saudade aumentou e ficou mais gostosa. Ele sempre vai ser meu exemplo. Eu continuo querendo ser ele quando crescer, o problema é que eu já cresci, os 4 anos de diferença já não contam como desculpa. O outro vai ser sempre o meu desafio. Ele tem medo de amar só por amar. Acho que ele precisa de porques, de explicações e motivos concretos. Eu achei que nossa história, por sí, já era um motivo. Tenho o resto da nossa vida pra conquistar isso ou tentar entender. E no meio disso tudo, ainda paguei a lingua. Sempre acreditei que não se ama a primeira vista. Pois eu amei alguém com uma rapidez recorde. Nunca amei alguém tão rápido em toda vida que nem minha sofia. Quando eu coloquei ela no braço pela primeira vez, ainda no hospital, senti uma coisa estranha. Uma vontade de chorar e de agradecer, assim o fiz.
Não é convencional, mas é essa a minha família.

3. No início, parecia estranho pensar que eu sou adulta. Pensar e agir como adulta. Ainda sei pouco sobre, mas tou aprendendo dentro de cada descontrole, de cada conversa, de cada dia. Pela primeira vez estou construindo uma família e não apenas fazendo parte como sempre foi. Não existe o pai, a mãe, os filhos, o marido e a mulher. Mas existe a gente e somos todos. O nosso casamento. O casamento dos três. Na verdade, o meu com vocês que cheguei de intrusa querendo fazer parte de pedaço do coração. Não quero fatiar um pedaço pra mim, não sou gananciosa, mas o pedaço que for, eu quero sincero. Acho que a gente conquista isso um pouco mais a cada dia. Nós três estamos nos preparando para o mundo. Parece besteira, mas algum dia, mais que hoje, a gente vai pensar no quanto isso foi importante. No quanto esse início de vida adulta e compartilhada foi decisiva para muitas outras coisas que venham a aparecer. Tem uma morena bonita que me disse que outra morena bonita tinha a fórmula da felicidade. Amar o defeito do outro. Ter a sabedoria de tentar mudar o que pode ser mudado e a de aceitar o que não pode ser mudado. Sempre achei que amar as virtudes é papel fácil demais. Mas nunca tinha pensado que amando os defeitos eu poderia ser feliz. Clarice que dizia que é na soma das incompreensões que se ama verdadeiramente. Vocês me fazem ter mais certeza a cada dia que essa fórmula é possível e é saudável.
Minha família. Minha primeira família, nosso lar.

quinta-feira, maio 06, 2010

Nove de maio antecipado. Ansiedade,sabe?


Eu não sei se vim falar de samba, de mãe ou de Ana. É que apesar de três coisas, vivem se misturando e me jogando em uma mandinga diferente. Coisa de gente. Aquele samba de partido alto, no Alto de qualquer lugar. Sempre eleva, é leve e faz prece, me aproxima de você. Mãe de mim, mãe do fundo. Fundo de um peito maior que barriga de mulher grávida. E ela vive grávida. Carrega o mundo dentro dela e vai soltando vez por outra, cheia de charme e amor. Mãe de mão, mãe dos olhos. Ela me enche de qualquer coisa a mais. Qualquer coisa que transborde e faça sonhar, qualquer tanto que faça crer em um mundo menos ordinário.


Um feliz dia, o teu dia. E, apesar de tantos quilômetros e um marzão separando nossos corpinhos, seremos sempre os três filhos: quatro amores em uma só canção.


Com todo aquele sentir e as caretinhas bregas de amor,


Maloca.

segunda-feira, maio 03, 2010

'E do meio do mundo prostituto, só amores guardei ao meu charuto'

'último conselho: Quanto mais devassidão no quarto, mais respeito e cerimônia na sala e na cozinha. Mas é preciso, repito, haver amor, sem amor o orgasmo causa sempre um imenso enfado misturado com tristeza"
- Se eu fumasse, decerto acenderia dois cigarros de filtro amarelo. Um atrás do outro, e, em seguida, arrumaria uma desculpa qualquer pra te mandar embora.
Só aturaria teu rosto pedindo bis quando de tão carente, te chamasse novamente.
(e o pior, você vinha) -