terça-feira, dezembro 03, 2013

Não, era?

                                                                                                                                  A Mauricio

Eu não ia à aula hoje. Eu não ia com a roupa que tava, iria demorar mais a me arrumar trocando de vestido. Você não ia deixar a metade da comida no restaurante ruim se o "R$20 reais" tivesse aberto. Você não teria ficado sem sobremesa se no menu tivesse mais do que pudim de opção. 

Se alguma possibilidade dessa tivesse sido efetuada, esse texto não existiria.

Não era pra gente ter se encontrado, ao acaso, eu soltando meus cabelos e você com a mesma blusa de sempre atravessando a rua em minha direção. Não era pra ter aberto um sorriso daqueles e vindo meio sem jeito com os braços estendidos em busca de conforto ou alívio.

Não era pra nosso abraço ser inevitável. 

Não era pra fazer de conta que tá sempre igual, tudo legal, mas quando você vai embora...

Não era pra perguntar pra onde eu estava indo enquanto me olhava de cima a baixo, querendo captar cada segundo da minha existência rápida ali, naquele pedaço de esquina. 

Não era pra eu ter dito pra onde eu estava indo. "Estou indo para a puta que te pariu, camarada", isso ninguém tem coragem de dizer na hora. Não era pra você ter me oferecido uma carona mesmo não sendo no seu caminho. E, óbvio, não era pra eu ter dito que tudo bem, então.

Não era pra você não entender três vezes o que é tá cevadinho e rir do meu sotaque. E não era pra eu continuar falando. Não era pra você perguntar por qual escada eu queria subir e a gente ouvir a voz e a respiração cansada do outro. 

Não era pra eu ter dito que queria muito água. Não era pra você ter dito que também. 

Não era pra eu sorrir tanto. Não era pra você olhar tanto. 

Não era pra ter um pé de pitanga no meio do caminho até o carro e eu achar que isso é um bom sinal. Não era pra encontrar teu amigo no meio do caminho e ido deixá-lo na sua casa. Não era pra ele tá indo pra sua casa. Não era, sobretudo, pra EU estar indo pra sua casa. Não era pra eu subir aquela rampa novamente. Não era pra sua raposinha aparecer ali embaixo se espreguiçando. Não era pra Raica vir até o carro em busca de carinho, me lamber toda e acabar por ai todos os nãos. Amém, ela não veio. Não era pra você ter me oferecido um copo d'água como se ir até a cozinha significasse só matar a sede, essa sede de água. Não era pra eu ter aceitado. E não aceitei. 

Não era pra haver rebuliço voltar alí no teu pedaço de mundo. 

Não era pra ter um trânsito tão grande. Uma tensão tão grande. Uma vontade tão grande de te falar. De te ouvir. Não era pra você me pedir pra falar em um instante de silêncio. Não era pra eu falar qualquer coisa, qualquer coisa, pra não deixar o silêncio machucar tanto. Não era pra você quase que involuntariamente alisar a minha franja como se fosse normal. Não era pra existir essa vontade. Não era pra eu ter te mostrado o papelzinho dentro do caderninho. Não era pra tocar um reggae e você me dizer que o verão tava chegando. Não era pra eu ter demonstrado que sabia. Que só sabe disso quem te conhece. 

Não deveria ter sido um abraço tão apertado na hora do tchau. Não era pra você ficar me olhando enquanto eu descia do carro. Não era pra gente ter ficado pensando nisso tudo até chegar no destino final. 

Não era pra esse texto ter sido escrito. E nem lido. 

Não era pra ter, ad infinitum, um resto de coisa não exorcizada. 

Não era pra gente ter se perdido. 

Não,

Na verdade não era pra gente ter se encontrado, nunca. 

Não, 

era?


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