Eu sou do mato: de mato eu sou, do mato eu vim.
Serei mato sempre e sempre mesmo quando tênis, mesmo quando fumaça de carro e não de madeira queimando. Pra onde eu vou, carrego ele comigo. No jeitinho de falar, de olhar, nos pés calejados e descalços. No chão que eu sento. Nas pernas "sem modos" que se acomodam em cadeiras de restaurante, bancos de praça, poltronas de ônibus, avião e de sala de espera de laboratório médico. Pernas cruzadas, desalinhadas, suspendidas ou soltas por baixo de um vestido fino em uma festa de casamento.
É o meu jeitinho. Acho que vai ser sempre. Mas tem vezes que minha Aldeia fica distante e as memórias vão se perdendo com o passar dos anos, com a urbanização mental que sou exposta diariamente nessa cidade tão grande e tão caos que é o Rio de Janeiro.
Quando penso nisso fico meio muxoxa. Lembro daquela garotinha que andava na estrada de barro pra pegar a kombi e depois mais uns ônibus e muita caminhada com a mochila nas costas que era o mesmo que uma casa. Que não tinha uma escrivaninha pra ler. Ela lia deitada em cima de uma tábua que seu pai encaixou em um pé de caju, lá no alto. Do alto ela lia, alcançava uma fruta doce e travosa e por vezes cochilava ali mesmo naquela madeira que era de sua largura.
Agora, lembrando, me impressiono com o fato de que eu nunca caí lá de cima mesmo quando apagava, algumas vezes, por horas. Só despertava com o cíu-cíu-cíu das cigarras lá para as cinco da tarde, quando era hora de voltar.
~ ~
Em meio a rotina acelerada e doida de cidade grande, o alívio que vez por outra vem: uma memória até então guardada saltando na minha frente.
"Chicória!" Era o que a senhora ao meu lado pedia para o rapaz da feira. Quero dois punhados de chicória. Na hora eu travei a respiração, larguei os saquinhos de cenoura e tomate no tabuleiro e direcionei toda a minha atenção para a chicória que na verdade representava um pedaço de minha infância. Ali, fui transportada para os domingos de peixada.
"Mala, cata umas chicórias pra mim!", meu pai pedia com as mãos sujas de carvão e o peitoral, forte e bronzeado, suando em frente à churrasqueira. E lá ia eu, contente da vida, catar aquela folhinha de beirada crespa que nascia no meio da grama e dava o gosto do domingo. Me soltava no meio do mato e só voltava com as mãos cheias dela.
"Se ninguém plantou, como que ela nasceu aqui?" Eu me perguntava aos 9 anos. Me perguntei novamente agora, aos quase 28.
Domingos e mais domingos me sentindo a salvadora do peixe. Sem chicória o tempero não seria o mesmo. Sem meu minucioso trabalho de procurá-las em meio ao mato, também não. Mas o que me instigava mesmo era ver o orgulho de meu pai que transformava qualquer ato simples em uma grande gincana: missão dada e missão cumprida significavam a mesma coisa.
Sábado peguei a chicória nas mãos mais uma vez e senti Aldeia bem de perto.
O mato que me habita.
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