sexta-feira, julho 13, 2012

O amor e suas loucuras

Ontem, já tarde da noite, estávamos eu e mamãe na cozinha (lugar preferido dela para papos sérios ou bobos), e entre um gole e outra (dela), um cigarro e outro, também dela, e um olhar de admiração e saudade meu, falávamos com certa nostalgia da época em que tinha mãe, pai e filhos, todos juntos... Ou ao menos na mesma casa. E então surgiu o inevitável e preferido assunto: os bons momentos. Sintonia, magia, músicas. Histórias loucas, paixão, "coincidências". 'Por tudo o que for' na voz de Lobão, pra relembrar. E enquanto falava, seus olhos se direcionavam para cima, lateral esquerda, de quem lembra com amor e brilho. E então voltava seu olhar pra mim, cantando juntas alguns trechos.

E então entramos no assunto separação. No curriculo de meus pais constam duas separações oficiais, uma quase e várias putarias. E foi quando o assunto nostálgico passou do feliz pro de coração batendo em quase desespero com a lembrança de uma cena que, dentre meu acervo de lembranças, esse ficou pra trás, nos meus nove anos. Voltar ao passado é delicioso, mas tem lá seus perigos. É voltar nas fraquezas e passear pela falha própria e dos outros. Nesse caso, acabei rondando o passado do meu pai, que me machucou durante muitos anos pelo não cuidado e militarismo exagerado. Voltar nesses dias, nesses anos tão longos, ao passo que há um incômodo em ver que apesar de ter mudado, aquele era ele, me traz uma satisfação imensa de ver que foi justamente esse jeito difícil e uma criação a ferro e fogo que me fez, certo dia, mandar tudo pra puta que pariu, gritar, me revoltar, arrumar um empreguinho de merda qualquer que me fizesse sair dalí, daquilo tudo.



E foi só por isso que nos tornamos o que hoje somos: cumplices. Após uma conversa sentados no chão, com muitos soluços e revelações. O tal do zero a zero. E foi nesse dia que tirei muitos quilos das minhas costas e também da dele. O que somos hoje é completamente diferente do que éramos, ou, no caso, que não éramos. Quando me perguntavam se eu preferia meu pai ou a minha mãe, naquela pergunta babaca que criança adora fazer, eu respondia que amava os dois por igual, mas era mentira. Fazia parte do programa de perguntas e respostas babacas que éramos acostumados a fazer e a dar. Por mamãe eu tinha amor imenso e gratidão, por ele eu tinha um misto de amor e  medo, logo, ela ganhava fácil.  E foi justamente nesse cenário que eles decidiram se separar pela primeira vez, eu com nove e meu irmão com 13, e meu pai, como sempre, se impôs de uma maneira calculada pra magoar: "Eles ficam comigo e você não pode fazer nada pois eles são apenas meus filhos." Aquela frase que serve pra magoar todo mundo ao mesmo tempo e que deixa a consideração morrer a cada fonema. E assim foi feito, a mando do comandante mor.

Ficamos eu e meu irmão com ele e mamãe foi morar em uma casinha linda com seu filho, meu outro irmão Daniel, de coração. Pra piorar ainda mais a situação, as visitas eram reguladas e a maioria eram feitas às escondidas depois do colégio, enquanto papai trabalhava. Até que em um dia, um domingão de sol, eu ouvi um boato (é, cidade pequena tem dessas coisas), de que minha mãe ia se mudar pra longe e eu não ia mais vê-la. E foi quando eu pedi pra passar o dia na casa de uma amiga que morava em cima do bar da família dela. Cheguei lá e então rodei o bar inteiro fazendo campanha com os rostos conhecidos que tomavam uma cerveja despropositada: "Eu preciso que alguém me leve até a casa de minha mãe".



Oi? Como assim? E após um discurso feito de mesa em mesa, pra quem conhecia e para quem estava acabando de me conhecer, pela situação, eis que um ser se dispõe a deixar a cervejinha de lado e fazer a boa ação. Eu, minha amiga Dayana, ele e o seu caminhão! Sim, eu fiz Seu Ramos tirar o caminhão enorme que ele usava pra trabalho, único veículo que possuia, pra me levar até minha mãe. E então cheguei lá, sem aviso, bilhete ou celular - que não existia na época-  radiante, portões sempre abertos e minha mãe de short de cotton, blusa de algodão, cabelos esvoaçantes indo ao encontro de minhas lágrimas e meus bracinhos magrinhos, trêmulos e desesperados.


Foi nesse dia que descobri que ela estava alí e que nunca, nunca iria me deixar, como falaram. Nem nos meus nove anos e nem nunca mais.

4 comentários:

Clareana Arôxa disse...

Esse amor é impressionante de bonito. É coisa de tantas vidas, dessa, das outras e das que virão.
Saudade de ver tia Ana sentada na mesa, com um cigarro na mão, acompanhando o desenrolar das nossas vidas. Vou jogar na megasena e recomprar aquele apartamento.

Um beijo em você e outro nela.
Te amo!

Anette Alencar disse...

São muitas histórias mesmo... Essa é só mais uma de tantas. : )

Ah! Mamis vendeu o apartamento pra papai, tua compra pode ser menos burocrática. ahhaahahahah.

E eu já falei mas repito: absurdo você não vir em setembro... Até a preta vai vir! A gang tá formada. Beijos, meu amor.

Andreane Carvalho disse...

Amiga, quase que choro aqui no trabalho. Que sentimento lindo : )

Anette Alencar disse...

ô amor... Imagine eu relembrando com ela? Eu em cima de um caminhão com o coração saltando da boca. :P