terça-feira, março 29, 2011

'Tá doendo em algum lugar?'


E, sem receio ou constrangimento em saber se dessa vez eu queria responder tal pergunta, a médica soltou:

'-Tá doendo em algum lugar?'

(Entre dor física e interna, passei uma média de 40 segundos para responder, confusa, desesperada, dejavú esquisito, pedaço de caminho não concluido, me perdi nos segundos e nos fatos. Se tá doendo? Como nunca, senhora. No dia em que me colocou no colo, na cadeira do computador e me socou tantos beijos fossem possíveis em um corpinho desse tamanho. Tá vendo aqui? Aqui,ó... Não, não o tamanho do corpo, mas do buraquinho cavado. Esse foi no dia em que deslembrado dos erros, me acordou brincando e rindo, rindo e brincando com o próprio corpo, no próprio corpo e nesse buraquinho queimado. Queimado pelas velas daquele jantar, daquela massa, daquele molho, daquele vinho. Aqui, não tá vendo a queimadura? Arde, ainda arde. Dói naquele instante dos chocolates criativos e as sobremesas, dos filmes e das caminhadas pelas ruas, qualquer rua, qualquer vento, qualquer praia, qualquer lanche, qualquer peça, qualquer, qualquer coisa. Dói, também, o choque do abraço na noite, no meio da noite,na cama e os pés que se procuravam, se esquentavam, se consolavam: cortados. Os pés estão cortados, você não consegue ver? Olha aqui, bem aqui, moça... Não é possível. Também tem essa roncha dominical, ela foi se formando no acumular de cada domingo de almoços e risos e cervejas geladas e jogos de futebol e piadas e planos e risos e mais risos e fotografias e mais gente e mais alegria. A roncha é apenas uma, mas ela tá dessa cor por conta disso. Se formaram aos domingos,em cada domingo, todos os domingos. ah... e os domingos, você sabe,né...


Mas, se você notar, também dói aqui... e aqui, e acolá. Tá vendo? Não? Como não? Nesse cantinho, nesse pedacinho de pele,e, sobretudo lá. Mas precisaria de um raio X para observar melhor. Como? Você não pode ver? hmmmm, entendo. Veja bem, quem perguntou foi você, estava quietinha na minha.

E, já que você quer saber, dói em todos esses lugares, mas, principalmente, irremediavelmente,tristemente
aqui,

dói aqui quando ele aperta.

E dessa vez ele apertou forte demais,moça.
Você não consegue ver? Que bom, nem eu.)


'-Não, não dói.'

3 comentários:

Joana disse...

morri.

Bruno disse...

Tu é linda causando amor, vivendo tristeza e até dor.

O mais importante é saber que já te vi em todas essas fases, e que no final das contas, o que prevalece mesmo é esse teu sorriso largo e lindo. As vezes demora mais e as vezes menos. Posso lembrar, posso mesmo. E, em todas as vezes, no final das contas, quando as contas já estão bem pagas, tu vem com esse sorriso ímpar e olhinhos apertadinhos, enxendo de amor e brilho todo mundo a tua volta. Pq vc é assim, você é assim mesmo.

André disse...

carlindinha.