quarta-feira, maio 21, 2014

A gente, o outro

Dificilmente ouviam eu te amo da minha boca ou rabiscada de minha caneta. Dificilmente mesmo.

Atravessei a adolescência ouvindo queixas de amigas e cheguei na juventude deixando um nó na garganta dos namorados que , timidamente, falavam pela primeira vez esperando um "eu também" que fosse no lugar daquele riso confuso que eu dava ou dou no instante em que as coisas ainda não se mostram claras pra mim ou para meu coração. 

Não é birra, vontade de ouvir primeiro ou medo de arriscar, não. Já falei sem ouvir, quando certeza tinha. É respeito à palavra mesmo, que por mais simples que seja, merece todo o cuidado e prudência. Também me ocorre de não falar, não por falta de sentir ou sentir prematuro, mas por uma trava mesmo que dá entre o estômago e a voz. E isso acontece com gente funda no meu peito, gente de amor antigo e ao mesmo tempo novinho em folha em mim. Marina me dizia que sonhava ouvir isso da minha boca, mesmo que já soubesse através de meus carinhos, palavras escritas e ações que seguramente valiam muito mais do que um balaio enorme de eu te amos falados. Ela sabia e eu sabia que ela sabia, mas ainda assim ela queria ouvir. Até que um dia ela me viu falando ao meu irmão e se orgulhou, mandou mensagem no celular e tudo. Depois desse episódio, usei dessa oração com sabedoria. 

É seguro que quem eu não amo, nunca ouviu isso de mim, nem de raspão, por impulso, álcool no sangue ou o famoso "se colar colou" que tanto vemos por ai. Colegas, pessoas que admiro, pessoas inteligentes, pessoas parecidas comigo não são necessariamente amores. Por isso existem a empatia e a alegria de sentir que vivemos num mundo com pessoas bacanas. Amor é outra conversa. E, claro, já me enganei na palavra, não por acaso sou humana. 

Acredito que hoje em dia as coisas estejam mais equilibradas. Não existe mais a trava na minha garganta. Quando a vontade de dizer bate com meus sentimentos, não temo. Apesar de que meus braços, que podem ir até o inferno, se preciso for, continuam a dizer muito mais do que minha voz, fetal. E até mais que minhas palavras, vastas. Mas também não desembesto a usar o verbo por apenas a sensação do instante, do mês, da minha fase de vida ou da lua em sintonia com plutão, não. E confesso que me assustam as pessoas que, por um abraço mais forte e uma convivência maior, já tomam aquilo como amor. Coração é coisa muito séria e é preciso delicadeza e cuidado, sim, pra ser inteiro e todo verdade. 

Engraçado como só agora, no fim desse texto, avalio que o mesmo se dá com minha abertura. Provavelmente você, que agora mesmo lê esse texto, nunca tenha me visto se abrir, chorar, pedir arrego, em casa ou na rua. Do mesmo modo que você, outro você, que também me lê agora mesmo, já me viu pelo avesso, chorando, catarroescorrendo, pedindo colo e ajuda. 

Engraçada a vida, mesmo. Acho graça de quem acha que, por não fazer parte inteira daquela vida e não ter acesso ao que aquele alguem é, por dentro e por fora, tome como verdade que seja "assim" com todos. Ou "assado" Assim, esse assim assado que ela supõe. E as máscaras que a pessoa cria pra completar um inteiro, já que só conhece pedaços.

E é quando me questiono, com um risinho quase diabólido: ô, gente, somos pessoas, temos energias, temos sentimentos, dores, trunfos, alegrias, gozos, dúvidas. Temos a nossa vida e acho que seja justo que ela não seja um dominó de mesa de boteco que todo mundo joga, que todo mundo mexe, tem acesso, suja e, do mesmo modo que tem o poder de derrubar no chão, tem de colocar de volta à mesa. Tá amarrado!

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