Meus amigos tinham seus livros escolares encapados por papel contacte transparente, bem lisinho, sem bolhas, o que determinava a competência e paciência daquele ser que, por detrás daquela pilha de papeis no espiral, existia: a figura materna. Figura óbvia e colada cheia de zelo em cada livrinho daquele com a ajuda de uma régua transparente de 30cm. Ou daquelas transparentes com desenhos coloridos que envolviam um líquido cheio de purpurina, pra distração da criançada.
Eu não tinha essa régua transparente, com desenhos coloridos e líquido cheio de purpurina pra me distrair. Como também não tinha meus livros encapados por papel contacte, nem eu e nem meus dois irmãos. Eu também não tinha a tesoura do mickey que "eu tenho, você não tem" e nem a botinha da Xuxa com seus cadarços em tons extravagantes que davam às garotas muito mais status do que os sobrenomes que carregavam. E, mais tarde, sequer passava em frente à loja da Chomp ou Gasoline pra carregar em meu corpo aquele panda tão fofinho ou uma etiqueta marrom maior que meu bumbum, no bumbum. Ah, aquela maldita etiqueta esculpida Gasoline. Esta valia muito, muito mais que todo o jeans que a pessoa estava usando. Se duvidar, na discoteca, as meninas olhavam primeiro pra bunda da amiga e depois para o rosto, recém pintado com sombra verde ou azul pra combinar com a blusa que também seria verde ou azul. Uma cafonice que no alto dos 12 anos era sucesso. E isso eu fazia, pois por sorte nenhuma daquelas meninas ao meu redor, minhas amigas, tinham sabedoria da existência de MAC e sei lá mais o quê. Nisso, éramos todas iguais: aquele conjuntinho de sombras coloridas de embalagem preta e um batonzinho e lápis da avon. No máximo da natura. E tava tudo certo.
Nunca me queixei em não ter o papel contacte, a bota, whatever. Meus livros também eram encapados, mas com um plástico transparente que tinha um único objetivo: protejer os livros, sem tanta beleza quanto o contacte, mas com a mesma função. E esse plástico não era comprado na Livraria Modelo, era no centro da cidade do Recife. E eu adorava aqueles passeios com minha mãe.
Minhas roupas eram compradas nas lojas de fábrica do Shopping Outlet ou no centro da cidade e nunca saí mais feia por conta disso. Nunca fui menos paquerada. Talvez estivesse fora da moda, mas isso já aconteceria normalmente, mesmo se minha mãe comprasse nas lojas de marca, nunca tive coragem de usar uma calça corsário, por exemplo. Desde menina eu tinha noção do que era ridículo e também pudera, com dois irmãos mais velhos, não era perdoada em caso de ato falho.
Minha família não tinha e nem nunca teve problema com grana. Pelo contrário, nunca nos faltou nada, nada. Nunca deixei de passear por falta de dinheiro. Ou de comer. Ou de comprar um presente de aniversário pra um amigo.
Se meus livros não eram enrolados pelo papel contacte e minhas canetas não eram da Livraria Modelo. Se meu tênis não era da Xuxa, minha calça não era da Gasoline e meus pais não foram comigo pra Disney porque é legal dizer aos outros pais e às outras crianças que aos sete eu fui à Disney, foi porque eles tinham outros valores. Outros valores que, logo cedo, foram passados pra gente. Não achávamos nossos amigos seres menores por isso. Mas também não permitíamos que nos olhassem como tal. E sempre convivemos bem, no mesmo grupo, mesmas festas, mesmos programas, mesma amizade. (Algumas, até hoje!)
Não morremos por conta dessa grana economizada com coisas tão bobas. E hoje podemos comprar nas gasolines da vida porque gostamos daquele produto. Do mesmo modo que podemos comprar no centro da cidade, pelo mesmo motivo: porque gostamos daquilo. E não porque, logo cedo, fomos condicionados a achar que o mais caro ou o que todos da nossa mesma classe têm, é o melhor.
E isso vale para além do guardar-roupa!