domingo, agosto 04, 2013

O teu assunto preferido

a Leonardo Nóbrega



Nos conhecemos no primeiro dia de aula da faculdade de jornalismo e nos intervalos batíamos papo no corredor entre um e outro cigarro seu. Você falava do DCE e do engajamento da sua namoradinha, bem politizada. Ou simplesmente Carol Burgos, mais velha e famosa naqueles corredores, distribuindo panfletos e interrompendo os professores pra dar algum recado. Você ia na onda. O namoro acabou e então nos integramos de maneira quase que orgânica, eu, você, Thales, Vic, Camila, algumas vezes Renan e também as meninas, outras vezes não. Nessa época, 80% da sala queria te comer. 80% incluindo os homens. Os outros 20% eram destinados a quem queria comer Bailinho. E eu tava inclusa. Não demorou muito e eu e você nos reconhecemos amigos. Bem amigos. Não demorou muito e você começou a namorar novamente e sua namorada entrou no grupo. Nos dávamos bem, mas ela tinha medo das minhas amigas que queriam te comer. Ela tinha medo da sua ex politizada que você ainda gostava, ela tinha medo de você, dela. E vivia com cara de choro. E era quase enjoada. E a gente quase que só era amiga dela porque ela era sua namorada. Não demorou muito e nos tornamos amigas. Bem amigas. E eu e você seguimos amigos, amigos como nunca. Nos encontrávamos no Café com Quê às 7 da manhã de um sábado e conversávamos as maiores merdas do mundo até a hora da aula. A barriga chegava a doer de tanta risada. Algumas vezes nem pra aula íamos, porque o assunto tava tão bom e não havia acabado. Nos intervalos a gente conversava mais. No fim da aula a gente não parava de conversar, de rir. Emendávamos com o bar e o assunto continuava, terminava e tinha outro. Assunto era um negócio que não faltava. Falávamos de tudo. Eu e minhas ideias malucas e você dando a maior corda e completando. Minhas amigas continuavam querendo te comer. Eu continuava querendo comer Bailinho, que agora estava solteiro e queria me comer também. Tua namorada continuava com ciúme disso tudo. Teve um dia que, depois da aula, fomos de última hora tomar uma cerveja alí na frente e ela ficou sabendo. Fez um escândalo. Tomou as dores da amiga que era namorada de Bailinho e ficou achando que eu queria te comer também. Esqueceu que éramos amigas. Esqueceu que eu queria comer Bailinho - e não você. Me bombardeou de mensagens agressivas. Te bombardeou de mensagens agressivas. Ficamos eu e você sentados na mesa, entre um gole e outro, esperando a próxima mensagem dela e continuando com nosso assunto que era mais divertido que aquela loucura toda. Não demorou uma semana e ela me pediu perdão, disse que confundiu as histórias, que ficou achando que a gente não quis chamá-la para o bar, que esperamos ela ir embora e tanta coisa que não fazia sentido. Era muito mais simples. E então seguimos na amizade, eu e você. Eu e ela fomos nos estabelecendo aos poucos. Quando vocês acabaram o namoro, eu e ela nos tornamos melhores amigas. Ela percebeu que eu não queria te comer.E continuei seu amigo e amiga dela. E a gente, como sempre, com assuntos termináveis. Ou melhor: assuntos que terminavam e emendavam com outros. Mas dificilmente era o mesmo assunto, a mesma tecla. Um ano depois você mudou de faculdade e acabou mudando de amigos também. Eu continuei na faculdade e fiz outros amigos. Amigos bacanas, um ou outro com sintonia bacana e você lá, distante. Nos afastamos sem pedir permissão ao outro. Você ia pra lá e eu pra cá. Não brigamos. Nunca brigamos. Nunca brigamos na vida (foi lindo você falando isso com todo orgulho ontem à noite, bêbado, na Lapa). A vida que fez caminhos diferentes e a gente soube respeitar isso. O amor era o mesmo, só tava percorrendo novas moradas. Os anos passaram e nos reencontramos em abril de 2012 no Apto 702 da Rodolfo Dantas, em Copacabana. Você havia acabado de se mudar para o Rio e me enviou uma mensagem tão... tão... que se pensa bastante antes de enviar, que entendi que nosso assunto um dia podia terminar, sim. De todo modo te convidei pra meu aniversário e você foi. E quando você chegou e nos abraçamos, continuamos nosso assunto interminável. Eu ganhei um baita presente de aniversário esse ano (você de volta) e a partir de então nossos assuntos só seguiram adiante. Rio de Janeiro, mestrado, trabalhos, cervejas, mais cervejas, mais cervejas, festinhas, novos amigos, o meu namorado que você adorava, a tua namorada. Ah a tua namorada... o segundo presente que o Rio de Janeiro me deu no ano. Coisa linda da vida. Eu via vocês, eu participava vocês, vocês me participavam. Eu ouvia cada um, eu escuto os dois e vocês me veem. Vocês me acolhem. Eu choro com vocês, sempre. E só com vocês. Vá entender. Até que você, Léo, após sete anos descobriu nosso assunto preferido. A principio era nosso. Depois passou a ser seu e apenas seu assunto preferido. Não podíamos nos encontrar nem que fosse pra um café que você voltava ao assunto. Em um bar, na rua, na festa, na casa de vocês, não importa. Não importa quantos assuntos a mais nós falamos antes ou depois, você mete o assunto preferido no meio. Enfia sem piedade e sempre quando observa que o assunto corre o risco de ser esquecido, coisa que pra você seria um terror, você não admitiria, você não se perdoaria. "Eu amo Carlinha. Eu amo ele. Eu quero os dois juntos. Não tem como ser diferente, não pode, não posso imaginar diferente". É o que você fala sem nem saber o que tá falando, todas as vezes, incansavelmente. Na penultima noite que saimos juntos, achei que sairia ilesa do seu assunto preferido. Engano. Bastou eu vacilar e lá estava você querendo arrancar de meus olhos graúdos e atentos ao assunto um brilho lacrimal. Não conseguiu. Você insistiu, usou palavras fortes como "aquele galeguinho" "jeguinho" "bicicleta" e coisas do tipo. Em vão. Não se conformou com tamanha indiferença perante seu assunto preferido e jogou mais pesado. Eu, firme, disse que não adiantava. Que não nos falávamos mais e pronto. Você quase se desesperou, não suportou tanta realidade, sacou o celular do bolso e começou a discar números em busca do telefone do motivo do assunto que tava perigando em deixar de ser o preferido. Saiu perguntando feito maluco qual era o código postal de um país distante, pois iria ligar pra lá e pedir o novo número do assunto preferido do outro país mais distante ainda (??) e eu, quase jogando a firmeza pela janela daquele boteco de Santa Teresa, te falei pra deixar de ser maluco, que a gente nunca iria conseguir esse telefone naquela hora. E então você me perguntou como seria bom nós dois e o assunto preferido àquela hora da noite, juntos. Concordei e emendei uma lágrima na outra. Você, finalmente satisfeito, sorriu pra mim e de mim. Falou "ô, carlinha" e em seguida observou que foi malvado, que foi egoísta. "insisti demais, né?" "né!". Essa podia ter sido nossa primeira briga, em tantos anos. Mas ao contrário disso, saímos desse bar que já tava fechando em busca de um outro, não achamos e decidimos fazer uma corrida pelos trilhos do bondinho. Eu e você, dois loucos correndo pelas ladeiras de Santa de madrugada, ao som dos amigos mandando parar e rindo e mandando parar e rindo. Você ganhou a competição. Eu quase caio de cara e quebro a testa. Meus pés amanheceram doendo, tudo bem, isso é recuperável. Ontem à noite falamos sobre tudo e, apesar de em certo momento perceber que você queria falar sobre seu (ainda) assunto preferido, você foi breve e depois calou.

Não fica triste, teremos muito tempo pra arranjar outro assunto preferido! E, por enquanto, eu deixo esse ser nosso assunto (ainda) preferido, em segredo.

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