(Texto escrito na última sexta-feira, 02)
Primeiro
contato
Hoje
é meu primeiro dia na casa nova, minha segunda casa no Rio de
Janeiro em quase três anos. E, apesar de ter trocado apenas de
bairro, sinto como se eu tivesse ido pra outro estado, tamanha é a
diferença. Aqui, sinto-me mais em Recife do que no Rio. Me vejo um
pouco em Fortaleza também, toda aquela loucura “da cidade grande”
parece existir muito distante da minha janela, mesmo ficando a quinze
ou vinte minutos a pé. Ainda não calculei.
Após
uma manhã cansativa de mudança, caminhão, carga e descarga,
finalmente pude parar um pouco e respirar. Respirar esse ar novo. A
casa em sí ainda tá toda fora do lugar, entre caixas e móveis
tateando e ainda provisórios nesse novo chão, assim como eu. Ainda
não fixamos território, levantamos bandeira e proclamamos
propriedade, apesar do apartamento ser próprio. Isso é aos poucos.
O piso vai conquistando a gente, a gente vai ocupando cada azulejo
do piso e quando a gente estiver bem distraído, já nos pertencemos.
Uma relação de parceria sólida precisa de tempo pra se firmar. Não
temos pressa.
A
casa
A
casa carrega um sentimento antigo em mim. Não consigo identificar
essa relação, nao sei de onde ela veio. Mas já senti isso antes.
Esse cheiro, apesar de novo, é antigo. A maneira como meu corpo
reage dentro desse espaço é novo, mas é antigo. Meu coração bate
no ritmo da minha mãe. Acho que é isso. Meu coração sente
parecido como sentia na casa de Aldeia, não a enorme, com piscina e
banheira no quarto do casal, mas a do km 9. Quando minha mãe
anunciou independência e foi-se embora. Pra ser ainda mais parecida
só faltava mesmo aquele conjuntinho de temperos. Não sei o que
tinha demais naqueles vidrinhos de vinagre, azeite, pimenta e sal.
Mas quando lembro daquela casa, lembro também deles.
Aqui
são três quartos. Um deles só pra mim. Antes de me mudar tinha a
certeza absoluta que ficaria no “que tem AS janelas”. Antes dessa
semana, só havia visto esse apartamento três anos atrás, quando
ele tava em reforma e eu nem morava no Rio ainda. E fui tomada por um
encantamento enorme pelas janelas do primeiro quarto. Não importa se
é o menor cômodo de todos. Eu não preciso de muito espaço. Eu
prefiro as janelas de ponta a ponta, curvadas, elegantes, lindas e
que ficam batendo com o vento. É que eu adoro janelas batendo com o
vento. Tudo bem pra mim em ir lá fechar, ou dar um jeitinho pra
mantê-las abertas, desde que antes elas enlouqueçam, batam muito
forte e repetidas vezes.
Na
última terça-feira, quando peguei as chaves e vim fazer o check out
no ap, a antiga moradora ao me ver enamorada pelo primeiro quartinho
das janelas, me disse que o problema não era o tamanho (apesar de
ter estranhado eu escolher o menor quarto), mas sim o calor que fazia
alí, sobretudo no verão. Isso veio como uma onda prestes a me
derrubar. Teria eu que abrir mão das janelas curvadas e aceitar uma
retangular “ok”? Passei o resto da semana pensado sobre e, no fim
das contas, acabei rendida. O verão carioca não é brincadeira e
apesar de morar em uma área arborizada, não tem mais a praia
pertinho pra entrar aquela brisa gostosa e com cheiro de maresia.
Talvez fosse muita teimosia acordar derretendo todos os dias só pra
ter uma janela de ponta a ponta e curvada como vista. Tudo bem, faço
assim: acordo e ainda de olhos fechados sigo para o quarto ao lado,
abro os olhos e tenho a vista em curva me dando um dia bom. Até que
eu ache graça nas minhas ventanas com pouco vento. Até que eu
suporte a ideia de sair correndo pra fechar as janelas alheias.
Primeiras
impressões do bairro
Eu
estou e sou cenário de uma novela das 6. Minha varanda tem vista pra
uma pracinha redonda preenchida por equipamentos de fazer exercício,
crianças, bolas de futebol, árvores e uns gritinhos e buxixos que
ainda não têm voz decidida. Um desafinado lindo. Aquela mistura
entre 4 e 14 anos, tudo ao mesmo tempo, dando um ar de pátio de
escola distante. A pracinha é rodeada por bares, quatro escadarias
que levam à Santa Teresa, uma escola e um santuário pra Nossa
Senhora de Fátima, santa protetora daqui.
A
rua principal que desce até a Riachuelo e leva à Lapa é quase que
uma cidade do interior: salões de beleza, botequinhos, lojinhas de
artigos inúteis, sorveteria com o cardápio feito em letreiro
antigo, talvez faltando um “r” no sabor morango. Casquinho de
três tamanhos. Lan house, farmácia, brechó e pessoas que sorriem
pra você. Não estranhe se acenarem também. Talvez eu estivesse com
muita cara de nova moradora, querendo ser aceita e bem acolhida,
sendo assim ou não, as pessoas captaram meus sinais e foram gentis.
Almocei em um bar de esquina. Já com bebida me custou R$ 13, achei
bom. No fim do dia passei no mercado popular pra comprar um kit
sobrevivência até amanhã e fui surpreendida. Uma prateleira só
com cervejas importadas e bem mais baratas que nos mercados da Zona
Sul. Promoção relampago de um vinho chileno que gosto bastante por
R$13 e o melhor, o senhor que anuncia a oferta falando no microfone
''Today friday! Friday night people!!! el mejor viño chileno del
mondo por 13 reais, minha gente!!!'” Saí com duas garrafas
embaixo do braço.
Na
volta, fiz uma cotação dos preços de cerveja nos bares da rua. E
as garrafas de 600 ml variam entre R$ 4 (Itaipava) e R$7 (Heineken).
A gente senta e pede antartica por R$5,50 a noite inteira. Tá de
boas, né?
Terei
muito tempo pra mapear essa região. É bacana saber que descendo eu
chego na Lapa, subindo eu estou em Santa. Que não moro na confusão
dos arcos e nem na contramão do Largo dos Guimarães. Que tô no
meio. Que meus pés me levam aos dois sem aperreio. Eu vou sentir
falta de morar na praia. Eu gosto demais de praia pra não sentir
essa falta. Mas antes disso, tenho muitas ruas pra descobrir, muitas
fotografias pra tirar por essas ruas. E já fiquei sabendo que tenho
40 escadarias pra fazer o reconhecimento. Cada uma que te leva para
os lugares mais improváveis. Parece que umas são até bocadas, mas
a gente faz cara de maloqueiro e anda na moral. Falta só achar o
parceiro de fé que entre nessa missão. Léo e Rafa vão se
empolgar, mas tenho certeza que a preguiça não vai fazer descobrir
mais que 3 em um ano. Mau, que foi quem veio com essa história de
40 escadas, a mesma coisa. Vai chegar na quinta escada no quinto mês
e dizer que é tudo igual. Júlia vai dizer que eu sou doida. Acho
que Bruno pode comprar essa ideia, ainda mais se eu falar que no fim
de cada escada a gente acha um boteco pra tomar uma cerva gelada em
comemoração. Imagina, 40 escadarias em 40 semanas. Será? Já tô
me empolgando aqui, querendo fazer um livro sobre.
Bom,
só sei que mesmo sozinha eu não sossego até destrinchar todos os
becos disso aqui. E a praia, que bom, vai continuar exatamente no
mesmo lugar. E eu, que sorte do caralho, continuo morando no Rio de
Janeiro. Agora, no coração dele. Batendo forte e com amor. Cheers!
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