No ônibus, um apito fino e contínuo atordoava nossos ouvidos, do meu lado, minha mãe reclamando a cada minuto.
- pqp, que porra é essa? (pela terceira vez)
- mama, pra mim vai ser ainda mais chato se além do apito, tu ficar perguntando sobre o apito a cada instante.
- mas é que tá demais, tá demais.
- quer descer do ônibus?
- não.
- então pára.
E o apito continuava. E minha mãe continuava a reclamar.
- Mama, bora fazer um combinado? Vamos tentar ficar sem reclamar de nada da vida por uma semana a partir de agora?
- Uma semana? Acho que um dia já tá de bom tamanho.
- Então combinado. A partir de agora, 11am, a gente não reclama de mais nada. Começando por esse apito.
- Combinado.
Descemos do ônibus, centro da cidade lotado, um calor medonho, lojas entupidas, gritaria, mal cheiro, sacolas batendo na gente e um sorriso irônico na cara "que ótimo não reclamar de nada!"
Volta para casa, meia hora esperando o único ônibus que deixa em casa no ponto errado. "ora, que bobagem, podia ser pior"
Caminhada até o ponto do taxi. Todos os taxis cheios. Um tempão depois conseguimos o nosso. Maravilha, "boa tarde, moço, vamos ao Bairro de Fátima!"
E, próximo ao nosso bairro, dentro do taxi, cheia de sacolas e uma fome de morder pedra, o taxista lembra da feira que acontece no nosso bairro. "Vocês terão que descer aqui, é impossivel passar por alí'.
E eis que mamãe fica roxa "meu deus, que merda, pqp, esqueci dessa porra de feira. Não acredito, andar isso tudinho? era melhor ter vindo a pé. pqp, que feira de merda!" E, enquanto pagava ao motorista, disse:
"Moço, hoje nós duas combinamos que não íamos reclamar de nada, bom, parece que o combinado acabou, né?"
"É. hehehehe"
E mamãe subiu a rua da feira, por entre abacaxis e ervas, falando e gesticulando todos os palavrões que aprendeu em toda a sua vida. Mas sempre com um risinho irônico na cara de quem havia acabado de quebrar um combinado que não passou de duas horas.
Agora, vamos ver até quando eu aguento.
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