quinta-feira, março 27, 2014

Era noite azul do meu amor



É azul de manhã, em mim é amor
É azul de manhã e em mim, amor

É azul, azul, azul

É azul noturno e matutino

Aqui dentro,

É azul

Sem tempo

quarta-feira, março 26, 2014

Soltos



Tempo de
Catar ventos
E sonhos


Boa Viagem, março de 2014

terça-feira, março 25, 2014

Sobre o não saber ser o mais natural

Quantas respostas 'erradas' já devemos ter dado - das bobas às decisivas - só pela praga falta de ser humano que nos leva a crer que toda pergunta tem que ter resposta, positiva ou negativa? E na lata?

Não sei.

Talvez seja essa, agorinha mesmo, a minha resposta mais sincera, genuina, humana.

quinta-feira, março 20, 2014

'Eu tenho, você não tem!"

Meus amigos tinham seus livros escolares encapados por papel contacte transparente, bem lisinho, sem bolhas, o que determinava a competência e paciência daquele ser que, por detrás daquela pilha de papeis no espiral, existia: a figura materna. Figura óbvia e colada cheia de zelo em cada livrinho daquele com a ajuda de uma régua transparente de 30cm. Ou daquelas transparentes com desenhos coloridos que envolviam um líquido cheio de purpurina, pra distração da criançada. 

Eu não tinha essa régua transparente, com desenhos coloridos e líquido cheio de purpurina pra me distrair. Como também não tinha meus livros encapados por papel contacte, nem eu e nem meus dois irmãos. Eu também não tinha a tesoura do mickey que "eu tenho, você não tem" e nem a botinha da Xuxa com seus cadarços em tons extravagantes que davam às garotas muito mais status do que os sobrenomes que carregavam. E, mais tarde, sequer passava em frente à loja da Chomp ou Gasoline pra carregar em meu corpo aquele panda tão fofinho ou uma etiqueta marrom maior que meu bumbum, no bumbum. Ah, aquela maldita etiqueta esculpida Gasoline. Esta valia muito, muito mais que todo o jeans que a pessoa estava usando. Se duvidar, na discoteca, as meninas olhavam primeiro pra bunda da amiga e depois para o rosto, recém pintado com sombra verde ou azul pra combinar com a blusa que também seria verde ou azul. Uma cafonice que no alto dos 12 anos era sucesso. E isso eu fazia, pois por sorte nenhuma daquelas meninas ao meu redor, minhas amigas, tinham sabedoria da existência de MAC e sei lá mais o quê. Nisso, éramos todas iguais: aquele conjuntinho de sombras coloridas de embalagem preta e um batonzinho e lápis da avon. No máximo da natura. E tava tudo certo.

Nunca me queixei em não ter o papel contacte, a bota, whatever. Meus livros também eram encapados, mas com um plástico transparente que tinha um único objetivo: protejer os livros, sem tanta beleza quanto o contacte, mas com a mesma função. E esse plástico não era comprado na Livraria Modelo, era no centro da cidade do Recife. E eu adorava aqueles passeios com minha mãe.

Minhas roupas eram compradas nas lojas de fábrica do Shopping Outlet ou no centro da cidade e nunca saí mais feia por conta disso. Nunca fui menos paquerada. Talvez estivesse fora da moda, mas isso já aconteceria normalmente, mesmo se minha mãe comprasse nas lojas de marca, nunca tive coragem de usar uma calça corsário, por exemplo. Desde menina eu tinha noção do que era ridículo e também pudera, com dois irmãos mais velhos, não era perdoada em caso de ato falho.

Minha família não tinha e nem nunca teve problema com grana. Pelo contrário, nunca nos faltou nada, nada. Nunca deixei de passear por falta de dinheiro. Ou de comer. Ou de comprar um presente de aniversário pra um amigo. 

Se meus livros não eram enrolados pelo papel contacte e minhas canetas não eram da Livraria Modelo. Se meu tênis não era da Xuxa, minha calça não era da Gasoline e meus pais não foram comigo pra Disney porque é legal dizer aos outros pais e às outras crianças que aos sete eu fui à Disney, foi porque eles tinham outros valores. Outros valores que, logo cedo, foram passados pra gente. Não achávamos nossos amigos seres menores por isso. Mas também não permitíamos que nos olhassem como tal. E sempre convivemos bem, no mesmo grupo, mesmas festas, mesmos programas, mesma amizade. (Algumas, até hoje!)

Não morremos por conta dessa grana economizada com coisas tão bobas. E hoje podemos comprar nas gasolines da vida porque gostamos daquele produto. Do mesmo modo que podemos comprar no centro da cidade, pelo mesmo motivo: porque gostamos daquilo. E não porque, logo cedo, fomos condicionados a achar que o mais caro ou o que todos da nossa mesma classe têm, é o melhor. 

E isso vale para além do guardar-roupa!





quarta-feira, março 19, 2014

Manauara

Pra meu pai, andiroba, copaiba e aroeira curam o mundo.
Farinha, pimenta e banana alimentam.

segunda-feira, março 17, 2014

Saint Patick's 'Day



Hoje a Irlanda tá em festa. 

E hoje é dia de Guiness e chope verde pra matar a saudade!

* como o tempo passa depressa...

segunda-feira, março 10, 2014

Anete



cada vez
que eu vejo
essa foto

é como 
a primeira vez
que eu vejo
essa foto

Bem ditas palavras. Bem ditas?


Houve um tempo, por um bom tempo, onde a vida era um negócio tão aberto que as lágrimas escorriam antes mesmo das palavras. E durante. E depois. Era uma espécie de contentamento em poder apenas ser e compartilhar, o que quer que fosse. Os ouvidos sempre atentos e o coração aberto. Não havia medo e nem medição: nas palavras ou no afeto. Dos dois lados. Você era de longe uma pessoa que era só coração e incapaz de qualquer ato baqueado de falsidade. Até tudo virar não. Mas se fosse um não anunciado, te aplaudia, respeitava e me recolhia. Mas aconteceu de ser um não que não foi anunciado e, não satisfeito, se mostrou o oposto: abraço apertado seguido de acalantos "coronários", "pois quando vem do coração Deus abençoa" e sei lá mais o quê de tanta palavra junta. De tanta palavra vazia. 

A Rainha-Deusa-Mãe das palavras e do amor se engoliu no próprio desato e a vida do próximo virou a coisa mais interessante do mundo. Talvez por uma vida própria vazia. Talvez por puro esporte. Ou pelo desejo de ver um circo tão pequenino tocando fogo. O motivo em sí não me importa, não mais. Mas o não - que não foi anunciado e pelo contrário foi acalantado por palavras bonitas, porém encontradas em dicionário qualquer, veio seguido de palavras feias, também encontradas em dicionário qualquer. A diferença entre os dois conjuntos de palavras, é que um não teve a mesma coragem que o outro. As feias, aquelas que você não conseguiu segurar e nem mesmo medir - mesmo dentro de tantas incertezas no que estava falando - não tiveram coragem de se mostrar pra mim. Não tiveram coragem de se despir. Não passaram de linhas avulsas e destrambelhadas escritas para outra pessoa, não viraram voz. Esses olhos - que em outrora eram amor (?), não tiveram coragem de dizer pra mim. A força foi canalizada apenas para o negativo -  por trás, feito faca nas costas, enquanto as palavras continuaram de afago, amor e afeto. E ainda com direito a fotografia.

Isso foi de longe uma das coisas mais deprimentes que um ser humano pôde me mostrar, em quase 26 anos de vida. A parte divertida de tudo (porque sempre tem) é ver que o mundo dá voltas. E como dá, hoje eu vejo isso sem necessidade de lupa. E o ser que um dia julgou, não se iluda, uma hora ou outra vai cair na própria cilada e ser julgado. Até aprender que julgar é de longe uma das maiores babaquices e armas contra sí mesmo que se possa existir. Um prévio tiro no pé. Aprender isso foi como descarregar um revolver com um pente atolado de balas para o céu, libertá-las. Tem gente, no alto dos 30, 40 anos que ainda não aprendeu. Que bom que aprendi isso aos 25, ganhei uns anos a menos de sofrimento. Mas uma hora todo mundo aprende. O tempo e a maturidade ensinam essas coisas.

2014 começou agora e com a leveza e felicidade de ter por perto apenas gente de coração em comunhão. Algumas vezes é preciso que algo aconteça pra gente ver quem de fato tá junto e quer bem. Pior seria passar a vida inteira se enganando entre sorrisos bombásticos de emoção em cada fotografia - e tão superficiais. Hoje me envergonho dessas fotos que um dia participei, melhores amigos por conveniência. Mas sei que não é assim. Dei tudo de mim e é isso que importa. Cada fase é uma fase e tem coisas e pessoas que apenas cruzam com a gente nessa vida e passam. Do mesmo modo que outras também  virão. E que o importante é ver quem realmente é concreto, os que sempre foram e sempre serão.

É muito fácil ser amigo em mesa de bar e em almocinho em casa. Amigo de bar a gente arruma, tem em cada esquina do Rio de Janeiro, de Recife, da Europa, até.

Alegria na vida é olhar pra trás e perceber que os seus, aqueles seus de sempre, de fé, de doença, de falta de grana e de coração partido são os mesmos que compartilham dos gozos, dos sucessos, do uisque do bom. E eles continuam exatamente no mesmo lugar. E é um lugar que não fica estático e empoeirado, um lugar que não é nem atrás e nem na frente, mas do lado. Do lado lateral, lado a lado e do lado de dentro, como tem que ser.

Em resumo: além de tudo o que me aconteceu de bom e que me vem acontecendo a cada dia, que não quero compartilhar para que o recalque passe bem longe (com direito a funk e tudo) veio de quebra uma peneira gigante e gratuita (mesmo que na pancada) do que e de  quem eu devo ou não levar pra vida. Nem precisei me dar ao trabalho de fazer isso na retrospectiva 2013, a vida mesmo se encarregou me dando esse presente em forma de realidade. Até na hora de bater a danada de algum modo me alisa.  

Na hora, a pancada dói sólida, mas a dor vem seguida de mágoa líquida, que finaliza em formato de alívio gasoso. Um processo chato, lento, que machuca mas que é necessário passar sem pular etapas. E a leveza que invade varrendo o fim desse ciclo não tem nome. É um troço muito bom e que se eu pudesse, eu engarrafava e dava de presente para o mundo todo. Se é impossível uma sustentável leveza do ser, a gente busca o mais próximo que pode. E essa busca é diária.

Axé, 2014! Obrigada por todos os momentos que em pouco mais de dois meses você já me proporcionou! Vemtimbora que tem é muita vida lá fora (e aqui dentro também). Vibrante. E suave.

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Varandinha

'Todas as mulheres são complexas até que você encontre a SUA mulher. Ai tudo se torna simples.'

Calani, Gustavo. 

Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2014. Rua Almirante Alexandrino, Santa Teresa.

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Quando a certeza prova que é falha

O instante em que, "apesar de", você continua desejando o bem de algumas pessoas, sim. 

Só que bem longe de você.

sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Aeroporto de Cegonhas

Trabalho fotografando e filmando bebês. Não, não é aquele trabalho da moda, o "newborn", e que entra um "bom cascalho", como Gustavo costuma falar. Eu trabalho filmando e fotografando o nascimento da criança e o que envolve isso, os entornos mais próximos: o instante anterior, no quarto, lembrancinhas, barrigão, beijinhos. O durante, centro cirúrgico, mãe nervosa, pai nervoso e o logo depois, berçário, família emocionada do outro lado do vidro, bebê chorando, pai chorando, família chorando e eu, claro, chorando. Ou quase isso, quase sempre. É tudo meio poético até deixar de ser. É lírico, é um trabalho bonito e "que pouquíssimas pessoas conseguem fazer", como costumo ouvir. Eu também acho. É bonito e a cada parto, a cada click ou take no baby, meu coração explode e a vontade que dá é de sair abraçando pediatra, pai, mãe, enfermeira, bebê, todo mundo. Mas, à essa explicação, faltou explanar um ratito más sobre o centro cirúrgico não tão poético assim: bisturi elétrico cortando a carne, viva. Cheiro de carne viva sendo queimada. Sangue, muito sangue. Seres estranhos saindo de dentro da barriga e sendo arremessados (exatamente essa palavra) pra uma lixeira enorme. Gente de um lado e de outro enfiando uma espátula dentro da barriga pra suspender o bebê. Ele sai. Amassadinho e melado de útero, ainda quentinho e já reclamando da frieza que é essa vida do lado de fora.
"como é que tu aguenta ver isso sem desmaiar, hein?"
Hoje, sei a resposta: É que, ao ver o primeiro sopro de vida surgir, com um choro forte, de prontidão eu transformei meu estômago em coração. 

Ego infla(ma)do

Há gente com tanta necessidade de ter um cortejo seguindo atrás, que, no fim, acaba virando o próprio bobo da corte. E nem nota.

por Gustavo Calani

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

De manhã cedinho


O despertador apontava 6ham quando tocou pela primeira vez anunciando uma tristezinha no meu peito: em meia hora de soneca, o mais tardar e com atrasos 1h de soneca, eu teria que deixar aquela cama. E deixar aquela cama significava muito mais do que encarar a vida lá fora em plena segunda-feira calorenta do Rio de Janeiro: significava te deixar. Te deixar assim, depois do final de semana inteiro dormindo juntos e sem hora pra levantar, naquela lengação tamanha que você sabe que sou mestra.

(não importa a música preferida que você coloque no despertador, você vai passar a odiá-la)

Pés nas pontas pra não te acordar (ainda mais), preparava meu sanduiche enquanto misturava o própolis na água pra te dar. Um beijinho, mais um abracinho, uns cheirinhos, você, entre o sono e a realidade, me falando coisas bonitas. E me abraçando de novo. Beijos, tchau, bom dia, bom trabalho, não perde a hora, melhora logo, não esquece o remédio, beijo, tchau!

Volto à sala e, antes de pegar minha mochila, o sol lá fora me pede algo pra beber. Geladeira, mate gelado, água, mais mate, mais água. Hora de pegar a mochila e partir, já estou atrasada. E, ao chegar na porta, olho de rabo de olho a porta do quarto escorada e meu coração acelerado. Mas eu estou atrasada! Mas meu coração tá pedindo. E volto no quarto, você de ladinho, olhos fechados e tintin com cara de pidão pedindo uma beijoca. Uma beijoca em tintin, outra em você, outra em você, outra em você e teus olhinhos abertos, brilhando.

E um sorriso maior que o metrô que eu provavelmente perdi de pegar na hora e me fez atrasar dez ou quinze minutos. É que o dia pode esperar um pouquinho. O amor, não.

Grandes estranhos

A Mauricio e ao fim de um ciclo

Você não me dói mais, direto assim. 

Não machuca e não catuca. Não sobrou raiva ou rancor. Não sobrou amor de sobra, também. Nem quando você aparece e muito menos quando some. E reaparece pra depois sumir de novo e ficar nesse jogo, agora, tão sozinho, do ir e vir. Você e você mesmo nesta batalha confusa que travou e que foge ao meu poder de entendimento. Desconfio que do seu também.

Você, esse menino dentro de uma pessoa, é uma figura que hoje em dia me diz tão pouco. Não chora e nem faz rir e, ainda assim, quando faz questão de demonstrar sua existência colocando à conta gotas particulas de afeto pra atingir meu coração, você atinge uma parte de nós dois que hoje é só minha e que não morreu. E que não vai morrer, pois não há mais mágoa e, mesmo quando mágoa, nunca me deixou escapar, nem por um segundo, você se virando em dez pra chamar atenção ou não: o desejo infinito de que você esteja e permança bem. 

Hoje, um sentimento unilateral que não tem mais a pretensão de troca. E nem vontade. Apenas (ou não tão apenas assim) o desejo de te saber feliz. Feliz contigo e não por uma coisa de fora, por pouco tempo, como costuma(va) ser: picos altíssimos de alegria e depois tão baixos, abaixo do mais baixo de melancolia. 

Hoje, eu fecho os olhos e, por uns instantes, mentalizo isso. Vez por outra. 

Hoje, não te reconheço mais. Nem ao vivo e nem em uma canção. E não sei se acho isso bom, ruim ou se jogo a responsabilidade de tal feito para a vida. Ou para o tempo. É, acho que para o tempo é conveniente, afinal, todo mundo sempre diz que o tempo isso e aquilo, vai ver é verdade.

Hoje,  não somos mais do que dois grandes estranhos. 

Hoje, pra concluir, sua foto descolou da minha parede, se pendurou na de Raica, não se sustentou e caiu no chão. Você tocando o chão e não mais o piano e seus jazzes inventados. Seu amor inventado. 

Não mais tua mão. 

Não mais.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

Uma toalha pra dois

E, no meio do banho, distraidamente passei sabonete líquido para partes íntimas nas axilas. Um acesso de saudade mesmo estando há apenas 17 horas distante do meu objeto de desejo. Foi uma cena ridícula, mas como é também ridículo o amor, eu dei uma risada daquelas. É que na hora eu tava pensando nele embaixo do chuveiro, com a água percorrendo todo o rosto sem piedade, em um jato forte. E seu biquinho que é bicão escoando a água pra fora. E os olhinhos apertadinhos pra escapar da água. E eu, na frente, mirando tudo pra não esquecer. 

Já posso desligar a água, amor? 

Rapidinho, ainda tem um pouco de condicionador no meu cabelo. 

terça-feira, janeiro 07, 2014

Vertiginosamente vivos


'É certo que temos mais medo de viver do que morrer'

Essas palavras ficaram rondando minha cabeça por um bom tempo. De primeira te disse que deve ser porque morrer é inevitável e viver é escolha. E tudo que envolve escolha dá mais preguiça e acabamos imersos na comodidade humana deprimente, levados pelo depois e pelo e se.  

'Se tiver que ser, será e Seja o que Deus quiser' são praticamente um mantra que enredam nossas vidinhas, como se Deus, cheio de afazeres maiores, tivesse a obrigação de além de tudo dar um chute na nossa bunda com salto agulha pra que a gente tome prumo na cara e vá viver e não somente sobreviver, como fazemos na maioria das vezes. Tomar uma cervejinha dia de semana é a maior fuga que alcançamos pra provar a nós mesmos quem é que manda nessa porra. Ou nessa vida mediocre que levamos de despertadores, canetas, gravatas em meio a um país tropical e contas pra pagar. Todo santo (ou nem tão santo) fim de mês. 

Quando programamos uma viagem, sentimos que estamos vivendo demais, que viver de verdade é isso. A sunga na mochila, o cheiro de protetor solar e os óculos escuros dão um novo gás e uma sede maior que a de água, mesmo que essa vivência dure uma semana ou um mês, de fantasia. Mas é o que nos salva. Um tempo fora do espaço que cabe na realidade do nosso latifundiário calendário de 12 meses ou quase 400 dias. Pra depois começar tudo de novo e a gente sentir no peito a sensação de que algo diferente vai desabrochar, mesmo que simbolicamente, mesmo que nas roupas leves do dia 31 de dezembro e nos abraços mais apertados que acabamos economizando durante o ano inteiro pra entregar nesse dia. 

A gente abraça rápido demais. (Quando abraça). Abraçar é tipo dois beijinhos e isso me entristece por demais. Tenho medo de contar e ver que possivelmente poderei calcular com os dedos das mãos e dos pés quantos abraços apertadíssimos e longos e sentidos eu dei no último ano. Imagina, 20 respiros de vida que não durariam mais de um minuto cada em 360 dias? Tem algo errado ai. E dessa vez não é a preguiça.

 Parece que a gente tem vergonha de abraçar mais largo e de olhos fechados. Somos tomados pelo receio de que a outra pessoa não esteja preparada pra tal entrega e fique lá esperando o momento de ser liberada, com um balãozinho na cabeça no lado esquerdo escrito 'oxe, tá bom já, três exclamações' enquanto afasta o umbigo do umbigo do outro, porque já tá demais. E  o que nos resta é aquele abracinho murcho de peito com peito que dura 3 segundos e, com sorte, não vem acompanhado de um ou dois tapinhas nas costas. De fazer chorar.

Comecei o texto falando sobre viver. Sobre o medo disso. Desse negócio que a gente tem na mão e na respiração e não sabe direito como levar. E agora estou aqui falando sobre abraço, como se a incoerência do meu ser fosse tamanha que não fosse possível falar lé com cré. 

Mas não é assim. Avalie que se a gente tem medo de abraçar, que é um negócio tão elementar, que dirá de se entregar pra vida e entender que viver, sugar cada gota do copo plástico de 500 ml que temos, vai além da cervejinha em uma terça-feira. Ultrapassa uma viagem internacional onde experimentamos um sabor novo de sorvete, de amor ou de cerveja, amarga. 

A gente deixa de viver dentro de casa, muitas vezes. Na nossa família. Nos nossos amigos. Deixamos de viver no nosso trabalho. Na refeição que fazemos, na uma hora do almoço no self-service. No cafezinho frio. Deixamos de viver no caminho do trabalho pra casa. Ou no caminho da casa para a festa. Ou da festa para a cama. Morremos um pouquinho na palavra que não foi dita ou na que verborragicou demais. 

A gente sobrevive, tantas vezes é isso que fazemos e nem notamos, apenas riscamos mais um dia, entre tantos desse calendário que separamos por etapas pra não endoidar, pra ter um respiro. Uma pausa mesmo que imaginária. 

Somos levados pelo tsunami que são as horas, que invariavelmente não param e, não satisfeitos, conseguimos a proeza de atropelar tudo, todos, a gente. É dessa maneira que agimos e, mesmo assim, acreditamos piamente que tudo terminará bem. Bem não, a gente espera mais, a gente espera quase que com certeza que tudo termine exatamente como a gente quer, mesmo que a gente não faça muito por isso, como se Deus, novamente ele, bichinho, tivesse que respirar por nós, um último suspiro, dessa vez de lamento.

Enquanto a gente tiver medo de abraçar, viver vai ser tarefa das mais difíceis. 

E é só nisso que consigo pensar agora. É a minha conclusão sobre a afirmação inicial do texto. Uma conclusão em aberto, de braços abertos, esperando por um abraço que sele a ideia - sem tapinha nas costas.

domingo, janeiro 05, 2014

Poeminha dos olhos de domingo



É que teus olhos nos meus
Ou que meus olhos e os seus
Não são mais ateus
Repouso de mágoas
Espelhos d'água dormentes de dor

Eles se abrem 
E fecham
E brecham 
Escapam
Se acham
E fixam

Agora,
Se desmancham com candura

Teus olhos nos meus
Meus olhos e os teus
Se desenham sem caneta
Sem papel
Sem rascunho
Sem nada

Desembestados
Com vida própria
Esperando pela hora de chegar

sábado, dezembro 21, 2013

Carta de fim de ano

'Eu podia resumir tudo isso a:

eu lembro de você em detalhes e sinto uma felicidade invadindo que nunca senti na vida. nem antes e nem depois.

(teria sido uma carta mais simples!)

Beijos.'

sexta-feira, dezembro 20, 2013

Sem laço de fita

Das minhas paixões: janelas, varais, galhos secos e cobogós.

Se algum dia alguém conseguir colocar tudo isso dentro de uma caixa bonita e me presentear, eu não vou ficar feliz. 

Eu gosto, ou melhor, tenho paixão, tesão, quase que uma obsessão por estes quatro paraisos ao meu globo ocular. Mas tem que ser cada um dentro de sua natureza, sem interferências. 

As janelas têm que servir de suporte pra uma estrutura maior. E quanto mais barulhentas com o saculejar do vento, mais contente eu fico. 

Os varais ao ar livre, cheirando a roupa limpa. E se são roupas surradas que a gente vê nas estradas para o interior ou pra praia, eu choro. Conseguem ser ainda mais bonitas, as cores vibrantes ou a falta delas, um ocre sem fim. 

Os galhos secos nas árvores com uma ou outra folhinha pendurada e um chão recheado delas, laranjinhas, amarelas ou marrons, indicando o fim de um ciclo e, invariavelmente, o início de outro. 

E os cobogós, esses eu até aceito em unidades, mas nada como uma parede cobogozada pra eu passar a pé e ficar um tempão olhando ou pra percorrer com os olhos de dentro do carro, do ônibus ou da bike e abrir um sorriso ligeiro, do tamanho de um palmo.

As minhas paixões eu tenho de graça. Isso é o que eu chamo de sorte!

quarta-feira, dezembro 18, 2013

Das sabedorias que não possuo

Pra minha pequena, saudade é contável. 

No auge dos seus 4 anos, ela não compreende que saudade é uma só e a gente que vai sentindo parceladamente ou de uma vez, no modo contínuo. 

Quando estou em Recife e passo uma noite fora, no outro dia ela diz "eu tou com a tua saudade". Quando estou longe, ela diz "tou com uma saudade tua". No fim das contas, quem não faz a conta certa e consegue compreender a saudade somos nós, adultos. A saudade tem, sim, identidade própria e pecualiaridades. Uma pra cada instante. Pra cada fase. Pra cada tempo e quilômetro percorridos para o sentido oposto, mesmo que destinada à mesma pessoa. 

A pequena tem a minha saudade quando tá um dia distante mas sabe que vai me ver no outro dia. E tem uma saudade de mim cada vez que fala comigo no telefone, lá longe, ou manda recado. E nos demais tempos, nos espaços entre essas saudades, ela corre, brinca, chora, estuda, pinta, aprende. Como se perdesse as contas das saudades que sentiu. E sem se dar conta das que ainda vai sentir.

Eu também corro, brinco, choro, estudo, pinto e aprendo, em outras proporções, mas ainda não compreendi como faz pra saudade existir em um dado instante. 

E não quando quer, assim, sem cerimônia.