terça-feira, janeiro 07, 2014
Vertiginosamente vivos
'É certo que temos mais medo de viver do que morrer'
Essas palavras ficaram rondando minha cabeça por um bom tempo. De primeira te disse que deve ser porque morrer é inevitável e viver é escolha. E tudo que envolve escolha dá mais preguiça e acabamos imersos na comodidade humana deprimente, levados pelo depois e pelo e se.
'Se tiver que ser, será e Seja o que Deus quiser' são praticamente um mantra que enredam nossas vidinhas, como se Deus, cheio de afazeres maiores, tivesse a obrigação de além de tudo dar um chute na nossa bunda com salto agulha pra que a gente tome prumo na cara e vá viver e não somente sobreviver, como fazemos na maioria das vezes. Tomar uma cervejinha dia de semana é a maior fuga que alcançamos pra provar a nós mesmos quem é que manda nessa porra. Ou nessa vida mediocre que levamos de despertadores, canetas, gravatas em meio a um país tropical e contas pra pagar. Todo santo (ou nem tão santo) fim de mês.
Quando programamos uma viagem, sentimos que estamos vivendo demais, que viver de verdade é isso. A sunga na mochila, o cheiro de protetor solar e os óculos escuros dão um novo gás e uma sede maior que a de água, mesmo que essa vivência dure uma semana ou um mês, de fantasia. Mas é o que nos salva. Um tempo fora do espaço que cabe na realidade do nosso latifundiário calendário de 12 meses ou quase 400 dias. Pra depois começar tudo de novo e a gente sentir no peito a sensação de que algo diferente vai desabrochar, mesmo que simbolicamente, mesmo que nas roupas leves do dia 31 de dezembro e nos abraços mais apertados que acabamos economizando durante o ano inteiro pra entregar nesse dia.
A gente abraça rápido demais. (Quando abraça). Abraçar é tipo dois beijinhos e isso me entristece por demais. Tenho medo de contar e ver que possivelmente poderei calcular com os dedos das mãos e dos pés quantos abraços apertadíssimos e longos e sentidos eu dei no último ano. Imagina, 20 respiros de vida que não durariam mais de um minuto cada em 360 dias? Tem algo errado ai. E dessa vez não é a preguiça.
Parece que a gente tem vergonha de abraçar mais largo e de olhos fechados. Somos tomados pelo receio de que a outra pessoa não esteja preparada pra tal entrega e fique lá esperando o momento de ser liberada, com um balãozinho na cabeça no lado esquerdo escrito 'oxe, tá bom já, três exclamações' enquanto afasta o umbigo do umbigo do outro, porque já tá demais. E o que nos resta é aquele abracinho murcho de peito com peito que dura 3 segundos e, com sorte, não vem acompanhado de um ou dois tapinhas nas costas. De fazer chorar.
Comecei o texto falando sobre viver. Sobre o medo disso. Desse negócio que a gente tem na mão e na respiração e não sabe direito como levar. E agora estou aqui falando sobre abraço, como se a incoerência do meu ser fosse tamanha que não fosse possível falar lé com cré.
Mas não é assim. Avalie que se a gente tem medo de abraçar, que é um negócio tão elementar, que dirá de se entregar pra vida e entender que viver, sugar cada gota do copo plástico de 500 ml que temos, vai além da cervejinha em uma terça-feira. Ultrapassa uma viagem internacional onde experimentamos um sabor novo de sorvete, de amor ou de cerveja, amarga.
A gente deixa de viver dentro de casa, muitas vezes. Na nossa família. Nos nossos amigos. Deixamos de viver no nosso trabalho. Na refeição que fazemos, na uma hora do almoço no self-service. No cafezinho frio. Deixamos de viver no caminho do trabalho pra casa. Ou no caminho da casa para a festa. Ou da festa para a cama. Morremos um pouquinho na palavra que não foi dita ou na que verborragicou demais.
A gente sobrevive, tantas vezes é isso que fazemos e nem notamos, apenas riscamos mais um dia, entre tantos desse calendário que separamos por etapas pra não endoidar, pra ter um respiro. Uma pausa mesmo que imaginária.
Somos levados pelo tsunami que são as horas, que invariavelmente não param e, não satisfeitos, conseguimos a proeza de atropelar tudo, todos, a gente. É dessa maneira que agimos e, mesmo assim, acreditamos piamente que tudo terminará bem. Bem não, a gente espera mais, a gente espera quase que com certeza que tudo termine exatamente como a gente quer, mesmo que a gente não faça muito por isso, como se Deus, novamente ele, bichinho, tivesse que respirar por nós, um último suspiro, dessa vez de lamento.
Enquanto a gente tiver medo de abraçar, viver vai ser tarefa das mais difíceis.
E é só nisso que consigo pensar agora. É a minha conclusão sobre a afirmação inicial do texto. Uma conclusão em aberto, de braços abertos, esperando por um abraço que sele a ideia - sem tapinha nas costas.
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3 comentários:
Teu texto veio antes que o meu sobre isso. Mas posso dizer que também fiquei pensando nessa frase desde que Calani a postou. Tanto que até comentei lá, meio que "a bebida é o medo da vida". E que covardes (?) somos. Mas também penso nos vícios como um respiro...perigoso respiro, mas ainda respiro. Quem dera o abraço fosse dado da forma mais profunda e real, como você disse. Seria o respiro humano comungado, alma com alma, umbigo e peito com umbigo e peito, como você mesma falou. Belo texto, belo raciocínio e conclusão inconclusa, como, eu acho, que tem que ser mesmo, pra gente continuar pensando nisso sempre, e que não seja dada como fechada essa discussão. Adorei. Vamos em frente, inclusive, pela vida.
e dá-lhe viver! :)
;)
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