quinta-feira, setembro 05, 2013

O cheiro da tua casa


                                                                                                                                     A Jorge

Tua casa, como a de ninguém, começa pelo hall de entrada. Naquele espaço estreito já é possível se sentir praticamente na sala. É o mesmo cheiro. Um cheiro de família que eu só havia sentido antes e igual na casa de Sofia. Mas não é cheiro de família recém formada. É cheiro de no mínimo quatro pessoas dividindo o mesmo espaço e a vida há muitos e muitos e muitos anos. É um aconchego só, mesmo sendo em uma área tão grande. Depois da sala, o corredor curto que serve de artéria para os outros cômodos, vem como um arrepio leve: pra direita é o quarto dos pais, pra esquerda é o da irmã e o da frente, entre um e outro, fica o seu, seguindo a linha do mesmo cheiro-aconchego, só que dessa vez mais, muito mais. A leve bagunça que perpetua na poltrona, poltrona que serve apenas pra guardar suas roupas do dia, dão um ar ainda mais gostoso naquele lugar marrom, pastel, fotos, bilhetes e ingressos de shows antigos com preguiça de serem trocados por uns mais recentes. Livros que você nunca vai ler servem de consolo aos meus olhos enquanto você vai buscar água na cozinha. O teu quarto, pra mim, além do cheiro geral da casa, também me remete ao passado, um passado bem pertinho, dá até pra correr e agarrá-lo se quiser. E também me remete ao tempo vazio e depois ao tempo presente: a fotografia que ficava embaixo da luminária e ao lado da cama, agora encontra-se em alguma dessas gavetas de madeira maciça que exalam o cheiro da casa. O tempo e o espaço se confundem e é estranho voltar alí mais uma vez. Percorrer você e o que somos separando do que fomos e seríamos é desafio para poucos. Vejo de maneira transparente que somos rascunho daquilo que muita gente gostaria de ser. Um rascunho perfeito do que todo relacionamento deveria ser quando se passa a limpo. Passar a limpo é perigoso, passar a limpo é o mesmo que assinar um documento importante. Passar a limpo é de uma responsabilidade que a leveza das coisas tranquilas não permite.  

Passar a limpo é borrar de tinta de caneta o papel. Somos rascunho e talvez por isso ainda permanecemos na vida do outro. Acredito que de alguma maneira continuaremos assim, rascunhando a vida por muito tempo, até a casa perder o cheiro.

Nenhum comentário: