Por não ser dada a frustrações, dez anos mais tarde, passou a fazer aquilo que, dez anos antes, poderia ter começado a fazer,e, hoje, estaria com dez anos de lucro, não fosse o pensamento restrito, bobo e ignorante de pensar ser tarde demais.
Fui restrita, boba e ignorante por um bom período. E, mesmo sem levar a sério esse pensamento ou parar para pensar a respeito, sei que havia um conflito interno e bem inteiro na minha cabeça:
Ballet clássico, voltar ou não voltar, essa era a questão.
Os dias foram passando, o rumo da vida foi mudando, os anos foram passando, e, ainda que vez por outra eu entrasse em contato com a dança de um modo geral, nada podia se comparar com os meus dez anos de ballet clássico sem interrupções, minhas unhas encravadas, meu dedo torto, coque no cabelo, piruetas e saltos no ar com uma leveza inimaginável. Não era possível ouvir meus pés retornando ao chão. Não era possível esbarrar com alguma outra bailarina desse estirpe naquela escola e, menos possível ainda, era encontrar uma platéia pela metade em dias de apresentação. Não preciso de falsa modéstia depois de tanto tempo. Era mesmo bonito de se ver, eu sei que sim, e, justamente por esses motivos, aceitar que retornar significava ser menos do que eu era, parecia duro demais.
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Hoje à noite, voltei a pé do trabalho e, como de costume, aproveitei os 3km de caminhada pela orla para colocar qualquer idéia deslocada em seu lugar. Essa caminhada é a minha terapia, e, nela, minha mente realiza bem o papel de psicóloga, sempre coloca em xeque alguma questão que nem eu mesma tinha consciência que era importante ou que fazia parte de mim. E foi só hoje que me dei conta que faz exatos dez anos que bailarinei por dez anos seguidos.
Tomei um susto, me senti fazendo aniversário em data errada ao mesmo tempo que me senti em estado de urgência, alarme. Dez anos!!! Dez anos não são dez meses. Foi tempo demais na ativa e um espaço de tempo longo demais para repensar. Por minha sorte, Tempo demais não significa tempo esgotado quando a decisão depende apenas de você e isso traz um tanto assim de alívio. Foi ai que, finalmente, esse conflito interno escapuliu pelos poros e por todos os buracos, fui pega por trás feito assalto: era impossível de escapar.
Escolhi então não fazer mais parte da categoria de gente que se inclui na primeira estrofe do texto: não quero daqui há dez anos, aos 33, perceber que por besteira e por motivos que hoje já não fazem a menor diferença, deixei de viver o que eu queria. E por saber que sou teimosa por demais, iria de todo modo recomeçar,a todo custo, nem que para isso precisasse ser do zero e aos 33, ou 43 ou 53. Não sou mesmo dada a frustrações. Que bom que precisei apenas da primeira década de espaço...
Sim, vou voltar para o ballet. E sim, sei dos meus limites e restrições, sei das dificuldades que vou encontrar, sei, inclusive, da dorzinha que vai me bater ao ver um passo feito com tamanha perfeição e que eu fazia daquele jeitinho alí. Mas vai ser com o coração tão escancarado e feliz e com o corpo aberto para reaprender, que serei livre para fazer aquilo que puder ser feito.
Confio na memória do corpo, no prazer que pequenas atitudes podem nos proporcionar, e, mais ainda, no gosto de um novo desafio. E em se tratando de um desafio antigo, o gosto se torna ainda mais apurado.
Feliz, sim!
Um comentário:
eu lembro que quando entrei no colégio e fui na primeira festa, todo mundo ficava falando: 'eita, carlinha vai dançar hj, ela é muito boa, quero ver' e eu fui olhar pra saber quem era a tal carlinha.Encantei na hora. Até hoje eu quero saber de tu, mesmo que pelas linhas e entrelinhas. fiquei muito feliz com essa notícia. Brilha, bailarina! Paulo
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