segunda-feira, dezembro 28, 2015

O medo da gente que a gente tem

A gente tem medo, todo mundo tem. Tem gente que tem medo da morte e pra compensar vive intensamente. Tem gente que não pensa sobre a morte mas treme nas bases quando o assunto é viver. Vive em parcelas, em prestações, com medo de magoar o outro e a si mesmo. Vive cheio de dedos, de melindres. Abraça mas não cheira. Cheira mas não beija. Beija mas não fode. Fode mas não sente. Tá sempre por ali dando um jeito de escapar pela tangente. 

Há, inclusive, a modalidade de não se deixar atingir diretamente por alguém, no máximo pela tristeza que possa causar ao próximo. Ou a alegria. O reflexo do próprio eu que volta trazendo uma nova informação que só existiu porque você existe e faz questão de afirmar isso em alto e bom som, pra não haver dúvidas. Sim, um tanto prepotente e arrogante esse pensamento, mas humano que somos não escapamos de cair na nossa própria ladainha. O perigo é acreditar de fato nisso, pois a que se pensar que esse tipo de medo, o último a qual me referi, tá mais com cara de quem joga para o outro uma fragilidade que é sua, usando esse artifício bobo, falho e raso de que a mágoa ou o prazer será causado, no fim das contas, apenas por nós mesmos. E o complemento tímido de que espera estar errado, porque fica um tanto esquisito não assumir de alguma forma que somos feitos de carne, osso e um bocado coração. Inatingível e inabalável, duas características que o homem não é por mais fantástica que a ideia pareça. Nem insubstituível. Então vamos com calma. 

Agora, conscientes disso, nos damos conta que estamos em um beco sem saída? Aceitamos a condição de viver o outro em sua superfície? Nos jogamos nessa piscina limitada, com pouca água? Vamos embora ao encontro de um mar aberto onde podemos percorrer sem medo de meter a testa nos arrecifes ou que tenha avisos luminosos de Perigo, praia sujeita a ataque de tubarão? Qual seria a solução?

É bem verdade que as pessoas-piscina, quadradas e limitadas coronariamente falando, são menos fascinantes que as pessoas-mar, vastas em sua plenitude, sem formato concreto, pessoas pouco geométricas. Eu sempre fui essa segunda opção e nunca foi importante quantas vezes minha testa tenha partido em mil pedaços. Se quebrava eu tratava de consertar e sair mais forte. Coração quebrado nunca foi uma desculpa ou um dispositivo de defesa pra me fechar no meu mundo que era mar ou rio, pra virar piscina. Nem doce e nem salgada: um negócio artificial e cheio de cloro. 

Parece que tudo ficou resolvido e claro. E que sabemos por onde percorrer. Acontece que, além disso tudo, tem uma confusão medonha no meio. É que tem gente piscina se fazendo de mar. E ai fica um negócio forçado, dá uma preguiça e também vontade de sair correndo pela terra o mais longe que se pode. E tem gente mar se prestando a papel de piscininha infantil que enche com a boca e mal cabe a própria pessoa dentro, tudo por um medo que não se concretiza e nem dissolve. Aquele tal do medo que na verdade é um medinho que faz sombra sempre que a pessoa tá sol demais. 

É essa gente que mais me preocupa: um universo inteiro comprimido em meio metro quadrado de possibilidades.

Pra quem me ensinou a abraçar com o coração

Parte I – Volver

“Aninha” era como você, agora, me chamava na tentativa de acertar o Anette tão diferente da Carlinha que você foi apresentado, cinco anos atrás, em Olinda.

Alegria na vida é poder se retratar e fazer as pazes consigo mesmo e com o outro, ainda que tantos anos depois. Era sobre isso que falávamos. E era impossível não relembrar com um carinho enorme aqueles dias de alegria, música, sorrisos e muito trabalho. Você, na produção da MIMO e eu cuidando do Jarzy Milewski, ao menos em sua ideia. Eu ali, pequenina, sentada na mesa daquele restaurante italiano com tantos gigantes ao redor e era só pra você que eu conseguia olhar, na mesa ao lado. “Qual era o nome mesmo daquele restaurante?” me perguntasse. Eu, você, o universo e a necessidade de nomificar as coisas pra trazer elas mais pra pertinho. “Faz quanto tempo que a gente se conhece, que rolou tudo isso?” “A MIMO é em setembro e essa edição foi em 2010.” “Putz, estamos em setembro de 2015!!! Faz 5 anos!!! Se cavucar mais um pouco a gente descobre que foi no dia de hoje.”  Eu, você, o universo e a necessidade de datar as coisas pra trazer um pouco de noção sobre tudo.

E sorrimos e brindamos com água com gás. É que a ressaca daquela manhã de domingo não me permitia mais cerveja.  Tava um sol de danar. Você ali todo importante me apresentando o Maracanã. E eu ali tentando entender que danado que tava acontecendo. 

Bora se ver de novo!” “Vamos sim!” Fico mais uns 4 dias antes de ir pra Aldeia Velha, te ligo”. Um abraço, outro abraço. Tchau!

Parte II - 5 anos se passaram

O Amazonas era bem longe e a ideia de sua existência, sobretudo em mim, mais distante ainda. Você e os índios, era tudo o que eu sabia através de postagens aleatórias no facebook. E sua voz doce e calma cuidando e trabalhando com essa gente tão de bem, era o restante que eu poderia concluir. E fim. E foi assim por anos. Até que você voltou: para o Rio e pra minha vida. E voltou tão sorrateiro que eu nem percebi, quando me dei conta já estávamos sentados em uma mesa de bar, depois daquele jogo de futebol falido, colocando em dia o assunto da vida inteira.

Nem tudo era índio, nem tudo era só poesia. E eu te ouvia e te ouvia e ficava contente com sua confiança em mim. Eletrorgânico. Trocasse a palavra índio por essa. Eletrorgânico era mais que um festival de cultura, era seu novo respiro e nova chance de inserção no mercado, como você falava quase que como um mantra, querendo acreditar na certeza do sucesso, dessa volta, disso tudo. Mas no fundo dos teus olhos escuros havia um abismo, uma vontade explícita de água doce que ficou naquelas terras distantes: "eu quero voltar pro Amazonas, Aninha. E tô trabalhando pra isso”. [A verdade é que você nunca saiu de lá], pensei. “Aninha, você virou uma mulher incrível! Que privilégio o meu poder estar aqui novamente."  

E sorrimos. E nos beijamos.


Parte III – O estranho entre nós

Depois do beijo tudo passou a ser não. Eu não estava leve, eu estava recém separada, coração em reconstrução. Você me queria leve e me queria farta e me queria por todas as vezes. Sem desculpa e sem demora. Sua necessidade de reconstruir a vida parecia me incluir no pacote. Um pacote que não me cabia. E nem me cabe. Um SMS sem resposta. Você tava entusiasmado pela sorte de ter me reencontrado solteira. O timing era perfeito, era tudo ótimo! Mas não era. “Acho que vou voltar o namoro a qualquer momento”, foi tudo o que consegui dizer, mudando por completo o seu semblante. E você respondeu cheio de sabedoria que da vida nada se sabe e eu, sempre cheia de certezas tantas vezes falidas, tinha a certeza que não estava errada. Que havia sim a chance da volta. E que era uma chance enorme. Bastava eu acordar e falar que o namoro voltaria e lá estaria ele, o namoro, existindo novamente. Era melhor você sair correndo dali, foi o que ficou mais ou menos no ar. Você tentou mais um pouco, tentamos, não tivemos sucesso. Ninguém vive na sombra de fantasmas. Você partiu e não voltou nunca mais mesmo que more no bairro ao lado do meu. Achei justíssimo. Ninguém suporta uma mensagem que não chega. 

E eu, até hoje, nunca acordei e voltei o namoro.


"Da vida nada se sabe."

Já passou da hora de aprender isso.

segunda-feira, dezembro 21, 2015

Espírito Natalino X Espírito de Porco

Até quando o ser humano se propõe a fazer o bem da melhor maneira que pode, ele dá um jeito de ser um completo idiota - mesmo que, algumas vezes, por poucos segundos.

O ser humano idiota a qual me refiro sou eu mesma e posso explicar. Só que antes de tudo, um adendo: é bom que fique claro que esse texto existe por eu ser humana e, assim, cheia de falhas. E não pra querer aparecer ou ganhar alguma vantagem e mostrar como eu sou uma pessoa bacana e desapegada que estou fazendo algo legal, fugindo totalmente à filosofia taoista do fazer o bem sem querer os louros: apenas fazer e pronto. Resolver e pronto. Fazer as coisas de boas, na maciota, na calada da noite. Uma luz aqui e outra acolá e algo foi resolvido sem necessidade de holofotes ao benfeitor. Isso tudo ecoa dentro de mim desde o encontro de terça-feira naquele templo tão aconchegante. É o que venho tentado colocar em prática há algum tempo. 

Esse texto que ainda nem tem corpo é pra mostrar que mesmo com consciência e vontade de ser alguém melhor, a gente ainda é humano demais e desliza. E desliza sem conseguir controlar: quando viu o leite já tá derramado, quando viu perdemos o ponto do bolo, queimou foi tudo e precisamos reiniciar do ponto onde paramos antes de fazer a cagada: com coragem e esforço teremos sucesso! Pois bem, vamos ao caso:

Neste Natal pensei em algo diferente pra celebração do que eu e mamãe estamos acostumadas a fazer há 5 anos. Normalmente oferecemos uma farta de uma ceia pra receber os amigos e agregados "sem família" de Recife que moram aqui, assim como eu. É sempre uma delícia e sempre tem tanta comida que dá pra alimentar talvez o Recife inteiro. Aqui em casa e na de todo mundo que conheço. Dessa vez o espírito foi outro, bateu o insight e a ideia foi lançada: por que não pegamos toda a grana que gastaríamos nessa ceia e fazemos um lote de ceia-quentinha pra distribuir pela Lapa, para as pessoas em condição de rua, na noite de Natal? De bate e pronto mamãe comprou a ideia e não paramos de matutar. "E guardamos duas quentinhas pra gente comer depois" "ou podemos comer nossa quentinha com alguém na rua, caso alguém queira comer com a gente" "e podemos comprar mini coca-cola porque ninguém merece comer peru e farofa sem nada pra beber" "e tem que ter rabanada!" "e tem que ter lacinho vermelho e blá blá blá blá blá." 

Até que hoje fomos no mercado comprar tudo o que precisávamos e, lá pelas tantas, vimos que o carrinho estava cheio. E pesado. E foi quando o espírito de natal começou a se transformar no espirito do espertinho e malandrão e eu lanço a infeliz ideia: "mãe, essa compra deve dar em torno de 200 reais. Não é mais jogo a gente comprar com a moça da rua 20 quentinhas que vai dar esse preço também e a gente não tem trabalho e nem carrega peso até em casa?"

Nessa hora mamãe concordou comigo com um: "é mesmo, né?" e em seguida, uma olhando pra cara da outra, percebemos o quão mínimas somos. Me senti menor, muito menor que minha altura. Por sorte nos consertamos a tempo: "como assim, po? a ideia é a gente cozinhar. É a gente ter o mesmo trabalho que temos quando fazemos pra gente. É depositar o carinho no tempero. É montar e fechar cada quentinha. É colar os lacinhos de fita. É colocar as coquinhas pra gelar e levar no isopor. É fritar a rabanada e embrulhar no papel alumínio. e blá blá blá blá blá."

[Esse é o espirito da coisa] 

Falamos ou pensamos ao mesmo tempo, já não sei.

Fiquei triste comigo e com a gente. E ao mesmo tempo feliz em ver que tropeçamos mas logo tomamos tino e nos orientamos. E assim vamos aprendendo. O demônio escapou no impulso. Demônios, quem não os tem? O controle deles é uma tarefa árdua e diária e vai continuar sendo, não adianta bater de frente.

Sei que vai ter uma hora que a existência deles será muito mais um alerta à minha condição de humana do que um mal que possa ferir a mim e ao próximo. E eu sigo na luta pra assistir do alto do meu coração a chegada desse dia!

Diga: 1 mês!

Daqui a exatamente um mês vou passar um mês em Recife. Me dei conta disso na hora de dormir, ontem, mas sem ninguém por perto que compactuasse com isso e dividisse desta mesma empolgação, eu apenas dormi. Mentira, eu não dormi. Eu cochilei em dolorosas parcelas. Muito pelo calor, é verdade, só que agora vejo que grande responsável pelo meu ir e vir naquela cama cheia de travesseiros, Jake, lençóis e edredons se chama ansiedade. 

Um mês pra um mês, quem diria!!! Teve um tempo em que parecia que ia demorar uma vida e meia – e demorou. Mas agora só falta um mês e nem tou com agonia que passe tão ligeiro – é que quando chega perto demais, dá a impressão que se acaba depressa também. 

Então vamos com calma curtindo essa brisa da espera enquanto meu coração se endoida um bocadinho por aqui pra depois se acalmar por lá (ou endoidecer mais ainda. Coração vagabundo que tenho, vá saber). 

1 mês. 1 mês. 1 mês.

1 mês, porra!

 É o mantra do dia.

sexta-feira, dezembro 18, 2015

Energia que vem de dentro

Ai do nada uma amiga me fala que tá amando minha nova fase, que estou com uma energia ótima e em seguida se conserta, explicando que sempre tive uma energia ótima mas que estou radiante e linda e iluminada. 

Abri um sorrisão por dentro e não consegui pensar em nada diferente do clichê djavaniano: 'dizem que o amor atrai'. E é isso mesmo, com a qualidade de gente de bem que caminha ao meu lado e que carrego do lado de dentro do peito, não tinha razão alguma pra ser diferente.

Isso pra mim é uma oração e toda oração vem seguida de agradecimento, então só me resta agradecer!

2016, pode vir que estou pronta pra tu. E venha sem medo. E venha simbora todo prosa e feliz que é uma boa hora!

Doce criança

"Cabelo de biscoito!", disse a menina toda contente sobre os dreads de Julinho enquanto ninguém entendia o motivo. Logo ela explicou pra nós, adultos demais pra tanta imaginação: "é igualzinho aquele salgadinho Fofura". Sim, ela tinha toda razão!

- Criança é um máximo! (disse a Thay eufórica)
- Criança é um ácido. (precisei completar)


terça-feira, dezembro 15, 2015

O côco e o futebol

Não adianta entrar em discussão: o côco de seu Jackson do Pandeiro está entre Paraíba e Pernambuco bem como a taça de 87 tá entre o Flamengo e o Sport.

O Samurai e os olhos

Parece um pequeno samurai e sabe lidar com encantamento. Ri meio sem jeito, olha no olho e repete alguma palavra que falo achando graça. E repete de novo e diz que não temos que nos preocupar com nada. Que ninguém tem. Queria eu essa leveza toda da não culpa e nem desculpa. O só ser. E ir e vir. Permanecer sem peso, sair sem grandes demandas. Meio menino, meio criança e um completo galante urbano. Pulsos firmes e sem amarras. E um emaranhado de cabelo que se perde no vento, da praia ao Centro. E mais um riso e um risinho. E o corpo inteiro tentando convencer de algo que nem se sabe mais o que é com o passar absurdo das horas e da embriaguez da madrugada.

Samurai solto nesse abismo feroz e intranquilo chamado infinito.


segunda-feira, dezembro 14, 2015

Eu, você e o futuro azul

                                                                                                                  à amanda borba



Amanda me faz bem. Sim, a pessoa mais doidinha e insensata que conheci em outrora e que já me trouxe sentimentos escuros, hoje é uma das poucas que me traz serenidade nos olhos e franqueza nas palavras. Nunca pensei que isso fosse possível. Não sei exatamente o que faz uma relação mudar do negativo pra um abraço sincero pra valer mas é a prova que o mundo, por mais doente que esteja, ainda é palco de esperança e bons sentimentos. 

Não sei, mas arrisco que paramos de olhar tanto só pra gente e, ao mesmo tempo, de se preocupar tanto com a opinião dos outros. Mesmo separadas e por motivos distintos, parece que passamos pelo mesmo processo de cura, perdão e aprendizado. Alcançamos a dádiva da disposição de aprender a aprender. E aprendemos que nessa vida o que se leva é o que se planta. A gente finalmente escolheu plantar amor e agora estamos curtindo uma farta de uma colheita, com direito a Carneiros, Francisco e tudo mais!

domingo, dezembro 13, 2015

Gonzagão, a maior das lendas

Ontem assisti "Gonzagão, A Lenda" pela nona vez. E, pela nona vez, achei fantástica. No início, lá em 2013, me incomodava um tanto o metateatro, depois larguei de minha besteira e comecei a achar até isso bom, afinal, o nome da companhia da peça dentro da peça se estendeu para o nome da companhia real da galera: A barca dos corações partidos. E eu acho esse nome cafona e sensacional na medida certa.

Ontem foi especialmente especial por alguns motivos e o principal é que sai de minha zona de conforto e me joguei até o Meier pra isso, embaixo de chuva, na expectativa pra saber o que haviam mudado nos diálogos, mungangas e figurinos no último ano. Rever a cara de Duda ao mesmo tempo envergonhada e amostrada. Ouvir novamente aqueles diálogos fantásticos, me emocionar com as músicas e ficar tranquila que a saudade logo logo vai passar. E pra ver a alegria de Daniel, que batia mais palma que todo mundo junto no final de cada mini ato. "Eles são foda, né?"

Eu sabia que muitas das partes ele não ia entender ou ia ficar voando, seja pela história em si ou pelo sotaque forte e ligeiro mas também sabia que isso não ia interferir em nada na magia daquele encontro dele e do público carioca com os meninos tão afiados e integrados: onde acaba o ator e começa o personagem? Sobre Gonzagão, creio que nem eles saibam mais, já faz parte da vida de cada um. Como disse Duda: "a gente sempre tem medo que fique cansado e não tenha tanta energia em cena, mas não tem jeito, se a gente passa um tempinho sem fazer Gonzagão, a gente já fica morrendo de saudade."

E eu também!

Vida Longa à Barca, ao João Falcão e a esse universo lúdico e paralelo que nos transporta pra Exu, pra um Rio de Janeiro ido e tantos outros lugares sem nem sair da cadeira. 

Êêêê sertão!

Tomar uma chuveirada

Toda vez que escuto um carioca falar que vai tomar uma chuveirada eu não consigo me controlar, fico imaginando uma guerra maluca dentro do box: um bocado de chuveiro nocauteando o cidadão ou cidadã de bem que só queria se refrescar de boas.


Meu caminhoterapia

Sem me dar conta fui andando da Cruz vermelha até o Largo do Machado. Era um dia confuso, com informações trocadas e mágoas espalhadas pela parte de dentro do corpo. Era dia de libertação também. Não conseguia ficar exatamente triste mesmo que estivesse dentro do meu direito. Talvez, pra mim, já não fizesse tanta diferença tudo aquilo. Mas perdi, mais um bocadinho, a esperança na raça humana.

Enquanto atravessava os Arcos e caía na Glória, era nisso que eu pensava em um pensamento pra lá de distante, tipo balãozinho de desenho animado. Em seguida me dei conta que existe um monte de coisa mais importante e útil pra ocupar meus devaneios e ai de prontidão fui invadida: "puta merda, pelas contas Brecht já está no Brasil e em menos de dois meses vamos nos ver. Depois de quase 3 anos, vamos finalmente nos encontrar de novo!!!". Tenho certeza que, mesmo sozinha, devo ter aberto o sorriso mais feliz e empolgado que possuo. Senti até meus olhos mais molhados que o normal. Devia tá brilhando mais forte que o sol que me acompanhava na caminhada bem em cima de minha cabeça fervilhante. Parei de pensar em tanta coisa e apenas senti a informação a qual acabara de me tomar por inteira enquanto o sorriso permanecia grudado na cara. Um sorriso maior que o rosto.

A essa altura eu já tava quase chegando no Largo do Machado quando o moço que fica em frente a uma loja, com seu microfone nada discreto, lança a frase pra rua inteira ouvir: "que alegria, moça!! Daria dois reais por esse pensamento". 

E a única coisa que consegui fazer foi virar e falar: To feliz mesmo!

E segui adiante até o encontro perfeito com as esfihas e mate geladinho da Rotisseria. 

Eu saí de casa esquisita e muxôxa. E cheguei no destino final com um sorriso estampado na cara que deve ter durado ainda alguns instantes.

É sempre assim quando passo direto do ponto de ônibus e sigo meu caminho a pé, na paz, conversando comigo, desvendando minhas questões, trabalhando o otimismo, tendo as ideias mais geniais. Meu caminho para o bem. Meu caminhoterapia.

terça-feira, dezembro 08, 2015

Prólogo

Chegasse como uma salvação. Eu, em um bote, seguindo numa maré forte e vasta e com chuva e com raios e peixe agulha saltando nos meus olhos. Eu tava quase cega. Quase doida. Eu tava quase. Remando sabe-se lá pra onde, remando e pronto. Ora com força, ora deixando o bote escolher o rumo da próxima onda. Contente comigo, orgulhosa por um bocado de postura tomada nos últimos tempos, desvendando a mim mesma que desconhecia ser tão grande, mesmo dentro de um corpo tão miudinho. E vivendo dentro daquele marasmo raso da solidão. E tão profundo. E tão necessário. Eu via e ninguém me via. Me viam e eu não queria enxergar mais nada. E eu só via o que não devia: desvia, desvia, desvia. Até que tu me viu e eu não te vi. Não te vi por não querer ver, pobres humanos que somos. Te vi, finalmente. Bingo! Finalmente te vi. Te vi do nada. Acordei e te vi e pronto. Será que tu ainda tava me vendo? 

Abri só uma fresta. Tu era luz. 

segunda-feira, dezembro 07, 2015

Sede

- To com sede
- De água ou cerveja?
- De gente

Zuckerberg trolando as paqueras

à Thay, que descobriu que eu, que não tenho smartphone, posso tá me auto sabotando sem saber



E ai que a pessoa envia do computador um único coração, de repente apenas por achar que o coração é fofinho pra o contexto mas nada que comprometa, e a outra pessoa que está falando pelo celular, recebe uma chuva de corações. Uma tempestade. Um universo. Paixão avassaladora. Emoticon do capeta. Facebook forçando casamentos ou o susto alheio.


Não to desesperada, era só um coração, tá? <3

quarta-feira, dezembro 02, 2015

Um mar pra você

                                                                                 Ao meu amigo André Braga


Querias passar o ano novo aqui no Rio, justo aqui que é onde eu não queria passar. To mais pra mato, silêncios, sorrisos e abraços íntimos e não o abraço das pessoas que nunca vi na vida na praia de Copacabana, todas unidas pela mesma energia dos fogos e do aperto. Mas se tu viesse pra cá, enfrentava até essa loucura toda fazendo de conta que to achando é bom e no fim eu ia tá mesmo, só porque tu quer ver o mar. Eu também queria ver o mar - mas não o de Copacabana. Queria as águas mornas de Japaratinga que vocês sempre vão e eu sempre to no Rio participando de longe, de alma. Todo mundo nu correndo pela areia e se amando muito, cada ano mais. A real é que tá cada um num canto, sendo adultos e apertando F5 (não aprendi ainda que botão faz isso no mac!) na página da Gol pra ver se um milagre acontece. 

Eu aqui no Rio, tu ai em SP (fora o povo em Recife e o povo na Bahia). Uma ponte aérea tão banal e tão cara nessa época. Ou um trânsito quilométrico que não tem razão de enfrentar "só" por conta do mar. "Vou imaginar uma praia, só isso. Desenhar num papel ofício e mentalizar bastante", foi o que tu falasse na mesma hora que eu disse que ia desenhar uma praia pra tu e te enviar. E tu não acreditou e pareceu querer mais isso que o próprio Rio. A gente sempre comprando a ideia mais absurda do outro. Me aguarde, que tu sabes que levo tudo muito a sério. Amanhã é meu dia de folga e faça chuva ou faça sol, vou pegar minha câmera e dar um rolé geral pelas praias e fotografar pedaço por pedaço de mar, um bocado de mar. E vou imprimir tudinho e criar um mosaico só pra tu. E te enviar pelos correios: um mar pra você.

Ps- Espero que tu tenha esquecido da existência desse blog e só veja essa postagem quando o mar já tiver invadido SP.

Te amo que só!

segunda-feira, novembro 30, 2015

Func, Shfum, Xero

Podia ser uma língua aborígene, não fosse tão mais simples. E ao mesmo tempo tão mais complexo. Um xero, pra mim, não é um cheiro. É todo o entorno, antes e depois. Um xero é ato e consequência de um cheiro. Ato: cheira-se até quase a exaustão (ou não) pra no futuro próximo poder lembrar e usar esse xero nas lembranças.  Consequência: carregar um pedaço da outra pessoa por onde for. Um presente que levamos sem pedir, coisa nossa. Mais íntimo que um beijo, visto que a outra pessoa não precisa, necessariamente, participar da ação pra que ela exista. Ato: cheira-se ao vivo. O momento é aproveitado e caso vire mais do que um cheiro, ele vira um xero. Consequência: depois da existência de um momento ao vivo, ai sim mandamos xeros. Mas a verdade é que isso é uma invenção da moça que vos fala. Acho um modo tão bonito de se despedir ou cumprimentar alguém querido que não acho justo que ele, o xero, se resuma apenas à palavra e fim. Tá todo mundo por ai enviando xeros apenas por força do hábito ou bairrismo, sem nada antes ou depois. Mas ai tudo bem também, cada um com seu cada qual, há quem diga eu te amo só porque ficou mais fácil e eu não tenho nada com isso.

E que os cheiros virem cada vez mais xeros que virem cheiros que virem xeros que virem uma conta que não fecha! Func, Shfum!

Até a última casquinha

O machucado se abre e sangra. Sangra de escorrer, como deve ser, como faço por onde. E se não for assim eu não quero. Arranco casquinha por casquinha só pra sentir a ardência de cada uma. Uma a uma. Fria e calculista na minha própria causa. Até não haver mais casquinha alguma pra ser arrancada e me restar, tão somente, ir embora. 

Amor é um negócio que não tem cabimento ser meia bomba. Dor também não.

domingo, novembro 15, 2015

Dormir junto



A maior questão sobre dormir junto com quem não se tem o costume de dormir junto, não é a noite, o ato, o quarto escuro e o se virar para o lado em um sono cuidadoso. [Sim, cuidadoso porque estamos ao lado de alguém que quase nunca estamos e pelas próximas horas, sem palavras, só tato ou uma busca por espaço.] 

A maior questão é que dormir junto significa irremediavelmente acordar junto, não necessariamente ao mesmo tempo, mas no mesmo lugar. Com o mesmo raio de sol informando na fresta da janela que o dia amanheceu. E agora? O relógio do celular avisa que já tá na hora de não estar mais ali, mas o corpo dele, morto ao seu lado, diz o contrário enquanto te puxa pra perto de olhos cerrados. É possível que alguém esteja te esperando ou quem sabe dormindo, dormindo com outra pessoa e sentindo a mesma coisa. Da parte dele também. Da parte dela. De todas as partes. Uma conta que não fecha - essa loucura humana que somos. O hálito que tá estranho, a intimidade que se cria e se recria, a quase dor na consciência - ou a completa falta dela. A hora de ir embora. Até logo, até breve. O restante do dia inteiro com a pessoa no corpo, no cabelo, no queixo, no peito. E todo o vácuo no restante, a reconstrução do dia com aquela ausência-presença.

Dormir junto é sim muito mais grave do que qualquer transa gostosa que termina no meio da noite.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Um sertão no peito




Tenho o coração vasto e todo repartido. Tem parte partida em mil pedacinhos. Tem pedaço inteiro e árido feito o sertão, empoeirado, cheio de galhos e gados magros. Tem pedaço farto banhado por um rio de águas claras e bem fresco feito o Itaparica, lá junto do São Francisco e a outra banda pega fogo feito pôr-do-sol no céu sertanejo, de um laranjume e luminância que não têm igual em canto nenhum. Meu coração é feito de estradas, largas, de perder de vista, nuvens espalhadas de vários formatos: um coração brincante. É também igual vela que acende e apaga e acende e tem a chama mexida pelo vento e dança pra lá e pra cá em cima de mesa de madeira pesada e lascada pelo tempo dentro das casas de táipa, naquele lugar que ninguém foi, ninguém viu. Tem estrume também, que ora aduba, ora se deixa merdificar por tempos. Tem, com muita fome, vontade de percorrer todo o pedaço de mundo que puder, pra se repartir em mais pedaços, pra perder o fôlego e a condição de estar sadio e depois, miudinha, se dissolver e voltar a viver dentro de mim. Meu coração é um besta, é argila, é poço fundo, é arenoso, é liquido, é fluido, é travoso, tem de tudo. É um tudo. E o que ele menos é, é um músculo.