quinta-feira, abril 17, 2014

A inspiração que vem da dor

É natural que meus melhores textos venham de alguma dor. Por um coração partido, inconformado, maltratado, cheio de dúvidas ou dívidas. Passeio pelo meu blog e fico imaginando como seria um infográfico sentimental dele, cheio de altos e baixos, como é a vida. Quando engatada com algum problema, que por algumas vezes eu mesma criei, ele chega ao topo do cotovelo machucado, a carne sem pele, exposta, as veias do coração à mostra. 

Quando dor, os dedos escrevem rapidamente um texto, um poema, um foda-se em fonemas cheios de força, de bala engatilhada para o próximo tiro que sempre há de ter. Um texto atrás do outro pra preencher o vazio que aquela situação deixou. Se não tem mais a história (se é que um dia teve) e sobrou apenas sua lembrança, nos resta apenas as palavras como forma de manter tudo vivo, mesmo que já tenha morrido e só a gente não tenha, tristemente, dado conta, de teimoso que somos.

Quando amor, não. Os textos fluem no olhar em parceria com o outro. Surge na cama, entre um alisado e outro. Entre uma respiração mais forte e o gozo libertador. As palavras escorrem no ato, junto com a lágrima. O poema é o dia-a-dia. A mão na mão, o telefonema, o cheiro no pescoço de bom dia, o abraço da noite quando se reencontra, o jantar especial em dia de semana. As palavras, o texto, a prosa e o poema se confundem com a vida em ação, não mais em lembrança. E meus textos surgem em momentos que não há caneta, papel ou um computador pra escrever e depois passa, pra dar espaço a novos textos mentais, sozinha ou em conjunto.

Algumas vezes acontece da inspiração chegar quando tenho todas essas ferramentas em mãos e me sinto contente e com um cadinho de inveja, não de quando triste estou, mas do impulso quase que psicográfico que a tristeza traz.

Confesso, mesmo que egoistamente, que a felicidade tem seu preço alto: a escrita física acaba, algumas vezes, ficando pra depois. (Ao menos é por um bom motivo)

terça-feira, abril 15, 2014

Três meses


O tempo do amor é caduco

Ligeiro quando muito

Lento quando dentro:

É fundo.

segunda-feira, abril 14, 2014

Brasil:

Não Confundir
Chuva
Com frio

quinta-feira, abril 10, 2014

Sobre ser de Recife e morar no Rio:

Quando o Flamengo perde um jogo no dia em que o Sport ganha, minha timelime fica toda vermelha e preta. E eu fico absolutamente confusa.

quarta-feira, abril 09, 2014

(Re)leitura



Quando dou um flecheiro nesses olhinhos miúdos e amedrontados, vinte e tantos anos atrás, te encontro hoje. 

E meu coração dispara. Te encontro tão antigo e novo em mim, em nós. Duas bolas de gude esticadas que vivem me falando. E carrega, logo embaixo, esse narizinho que antes era só um sapinho e hoje criou ponta. Um acutângulo perfeito que daria pra deitar em cima e passar a tarde inteira lendo um bom livro, confortável. Uma ponta linda. 

Escorregando da ponta eu caio nesse bico todo. Um bico que é desamarrado, bem seu. Um bico suave, molinho, gostoso. (Tem vezes que é brabo, mas passa ligeiro com um cheiro). Por que é um bico que não é um bico, mas é, sim, um bico bem bicudo, no banho, na cama, fazendo manha (ou não). Uma risada em forma de bico. Ou um bicudo em forma de sorriso, ainda não sei. E tentando decidir qual das duas coisas, continuo perdida dentro desses olhinhos de menino que você carrega até hoje e que são de tamanha importância pra mim. Que, vez por outra, se escorrem em lágrimas, seja em um filme, música ou por uma alegria no peito. Você, chorando. Com tanta facilidade. "Quem diria". 

E então continuo e vou seguindo te procurando na fotografia e te encontrando fora dela. E tudo, tudo, tudo faz sentido: o post acaba e eu sigo olhando você no retrato. E na vida.


quarta-feira, abril 02, 2014

31 de março de 2014

Há dias venho pensado em você com frequencia. Seus olhos apertados de chinês, seu cheiro antigo e acolhedor desde que sou pequena, seu bolsinho na blusa, mesmo que não guarde nada nele. 

Tava lembrando dos livros que você já me deu de aniversário, o último, com uma dedicatória tão bonita! Você sempre me deu livros, desde os meus sete anos, quando me presenteou com um Ziraldo, um Pedro Bandeira e um livrinho, quase que manual, "de garotas". Esse ano você não vai sondar que livro ou dvd eu quero de presente. E chegar com eles embrulhados pelo papel da Saraiva de Copacabana. 

Ano passado esse ritual também foi suspenso, afinal, eu estava viajando e, no lugar de receber livros, te enviei um postal bem feliz diretamente de Barcelona. O primeiro postal que enviei nas minhas viagens. E você todo contente no telefone dizendo que tinha recebido rapidamente, pois Europa não era Brasil, que demora em tudo. O postal se foi, junto com você, não sei se foi egoismo meu coloca-lo junto à ti em nossa despedida, mas foi a maneira que encontrei de estarmos sempre juntinhos.

Acontece que depois de tanto te pensar, acabei sonhando no início da semana. Um sonho que ultrapassou os limites de realidade habitual, pois, dentro do sonho, eu sabia que estava sonhando. Nos encontrávamos no corredor da minha escola de infância e eu começava a chorar, chorar bastante, pois sabia que te abraçar, alí, seria um presente que eu não teria mais no plano presente. E eu te abracei apertado, tão rápido... e você, com rosto saudável e corpo forte, bem diferente de como te vi pela última vez, ainda em vida, me disse:

- Pára de chorar, menina! Você tá feliz?

(eu apenas balancei a cabeça positivamente)

- Então é isso que importa.

Você concluia, com seu ar de sabedoria de sempre.

Foi muito, muito bom te reencontrar. E ver que você está bem, firme e tranquilo. Quando quiser, pode aparecer.

Um beijo com saudade,

sua neta.

quinta-feira, março 27, 2014

Era noite azul do meu amor



É azul de manhã, em mim é amor
É azul de manhã e em mim, amor

É azul, azul, azul

É azul noturno e matutino

Aqui dentro,

É azul

Sem tempo

quarta-feira, março 26, 2014

Soltos



Tempo de
Catar ventos
E sonhos


Boa Viagem, março de 2014

terça-feira, março 25, 2014

Sobre o não saber ser o mais natural

Quantas respostas 'erradas' já devemos ter dado - das bobas às decisivas - só pela praga falta de ser humano que nos leva a crer que toda pergunta tem que ter resposta, positiva ou negativa? E na lata?

Não sei.

Talvez seja essa, agorinha mesmo, a minha resposta mais sincera, genuina, humana.

quinta-feira, março 20, 2014

'Eu tenho, você não tem!"

Meus amigos tinham seus livros escolares encapados por papel contacte transparente, bem lisinho, sem bolhas, o que determinava a competência e paciência daquele ser que, por detrás daquela pilha de papeis no espiral, existia: a figura materna. Figura óbvia e colada cheia de zelo em cada livrinho daquele com a ajuda de uma régua transparente de 30cm. Ou daquelas transparentes com desenhos coloridos que envolviam um líquido cheio de purpurina, pra distração da criançada. 

Eu não tinha essa régua transparente, com desenhos coloridos e líquido cheio de purpurina pra me distrair. Como também não tinha meus livros encapados por papel contacte, nem eu e nem meus dois irmãos. Eu também não tinha a tesoura do mickey que "eu tenho, você não tem" e nem a botinha da Xuxa com seus cadarços em tons extravagantes que davam às garotas muito mais status do que os sobrenomes que carregavam. E, mais tarde, sequer passava em frente à loja da Chomp ou Gasoline pra carregar em meu corpo aquele panda tão fofinho ou uma etiqueta marrom maior que meu bumbum, no bumbum. Ah, aquela maldita etiqueta esculpida Gasoline. Esta valia muito, muito mais que todo o jeans que a pessoa estava usando. Se duvidar, na discoteca, as meninas olhavam primeiro pra bunda da amiga e depois para o rosto, recém pintado com sombra verde ou azul pra combinar com a blusa que também seria verde ou azul. Uma cafonice que no alto dos 12 anos era sucesso. E isso eu fazia, pois por sorte nenhuma daquelas meninas ao meu redor, minhas amigas, tinham sabedoria da existência de MAC e sei lá mais o quê. Nisso, éramos todas iguais: aquele conjuntinho de sombras coloridas de embalagem preta e um batonzinho e lápis da avon. No máximo da natura. E tava tudo certo.

Nunca me queixei em não ter o papel contacte, a bota, whatever. Meus livros também eram encapados, mas com um plástico transparente que tinha um único objetivo: protejer os livros, sem tanta beleza quanto o contacte, mas com a mesma função. E esse plástico não era comprado na Livraria Modelo, era no centro da cidade do Recife. E eu adorava aqueles passeios com minha mãe.

Minhas roupas eram compradas nas lojas de fábrica do Shopping Outlet ou no centro da cidade e nunca saí mais feia por conta disso. Nunca fui menos paquerada. Talvez estivesse fora da moda, mas isso já aconteceria normalmente, mesmo se minha mãe comprasse nas lojas de marca, nunca tive coragem de usar uma calça corsário, por exemplo. Desde menina eu tinha noção do que era ridículo e também pudera, com dois irmãos mais velhos, não era perdoada em caso de ato falho.

Minha família não tinha e nem nunca teve problema com grana. Pelo contrário, nunca nos faltou nada, nada. Nunca deixei de passear por falta de dinheiro. Ou de comer. Ou de comprar um presente de aniversário pra um amigo. 

Se meus livros não eram enrolados pelo papel contacte e minhas canetas não eram da Livraria Modelo. Se meu tênis não era da Xuxa, minha calça não era da Gasoline e meus pais não foram comigo pra Disney porque é legal dizer aos outros pais e às outras crianças que aos sete eu fui à Disney, foi porque eles tinham outros valores. Outros valores que, logo cedo, foram passados pra gente. Não achávamos nossos amigos seres menores por isso. Mas também não permitíamos que nos olhassem como tal. E sempre convivemos bem, no mesmo grupo, mesmas festas, mesmos programas, mesma amizade. (Algumas, até hoje!)

Não morremos por conta dessa grana economizada com coisas tão bobas. E hoje podemos comprar nas gasolines da vida porque gostamos daquele produto. Do mesmo modo que podemos comprar no centro da cidade, pelo mesmo motivo: porque gostamos daquilo. E não porque, logo cedo, fomos condicionados a achar que o mais caro ou o que todos da nossa mesma classe têm, é o melhor. 

E isso vale para além do guardar-roupa!





quarta-feira, março 19, 2014

Manauara

Pra meu pai, andiroba, copaiba e aroeira curam o mundo.
Farinha, pimenta e banana alimentam.

segunda-feira, março 17, 2014

Saint Patick's 'Day



Hoje a Irlanda tá em festa. 

E hoje é dia de Guiness e chope verde pra matar a saudade!

* como o tempo passa depressa...

segunda-feira, março 10, 2014

Anete



cada vez
que eu vejo
essa foto

é como 
a primeira vez
que eu vejo
essa foto

Bem ditas palavras. Bem ditas?


Houve um tempo, por um bom tempo, onde a vida era um negócio tão aberto que as lágrimas escorriam antes mesmo das palavras. E durante. E depois. Era uma espécie de contentamento em poder apenas ser e compartilhar, o que quer que fosse. Os ouvidos sempre atentos e o coração aberto. Não havia medo e nem medição: nas palavras ou no afeto. Dos dois lados. Você era de longe uma pessoa que era só coração e incapaz de qualquer ato baqueado de falsidade. Até tudo virar não. Mas se fosse um não anunciado, te aplaudia, respeitava e me recolhia. Mas aconteceu de ser um não que não foi anunciado e, não satisfeito, se mostrou o oposto: abraço apertado seguido de acalantos "coronários", "pois quando vem do coração Deus abençoa" e sei lá mais o quê de tanta palavra junta. De tanta palavra vazia. 

A Rainha-Deusa-Mãe das palavras e do amor se engoliu no próprio desato e a vida do próximo virou a coisa mais interessante do mundo. Talvez por uma vida própria vazia. Talvez por puro esporte. Ou pelo desejo de ver um circo tão pequenino tocando fogo. O motivo em sí não me importa, não mais. Mas o não - que não foi anunciado e pelo contrário foi acalantado por palavras bonitas, porém encontradas em dicionário qualquer, veio seguido de palavras feias, também encontradas em dicionário qualquer. A diferença entre os dois conjuntos de palavras, é que um não teve a mesma coragem que o outro. As feias, aquelas que você não conseguiu segurar e nem mesmo medir - mesmo dentro de tantas incertezas no que estava falando - não tiveram coragem de se mostrar pra mim. Não tiveram coragem de se despir. Não passaram de linhas avulsas e destrambelhadas escritas para outra pessoa, não viraram voz. Esses olhos - que em outrora eram amor (?), não tiveram coragem de dizer pra mim. A força foi canalizada apenas para o negativo -  por trás, feito faca nas costas, enquanto as palavras continuaram de afago, amor e afeto. E ainda com direito a fotografia.

Isso foi de longe uma das coisas mais deprimentes que um ser humano pôde me mostrar, em quase 26 anos de vida. A parte divertida de tudo (porque sempre tem) é ver que o mundo dá voltas. E como dá, hoje eu vejo isso sem necessidade de lupa. E o ser que um dia julgou, não se iluda, uma hora ou outra vai cair na própria cilada e ser julgado. Até aprender que julgar é de longe uma das maiores babaquices e armas contra sí mesmo que se possa existir. Um prévio tiro no pé. Aprender isso foi como descarregar um revolver com um pente atolado de balas para o céu, libertá-las. Tem gente, no alto dos 30, 40 anos que ainda não aprendeu. Que bom que aprendi isso aos 25, ganhei uns anos a menos de sofrimento. Mas uma hora todo mundo aprende. O tempo e a maturidade ensinam essas coisas.

2014 começou agora e com a leveza e felicidade de ter por perto apenas gente de coração em comunhão. Algumas vezes é preciso que algo aconteça pra gente ver quem de fato tá junto e quer bem. Pior seria passar a vida inteira se enganando entre sorrisos bombásticos de emoção em cada fotografia - e tão superficiais. Hoje me envergonho dessas fotos que um dia participei, melhores amigos por conveniência. Mas sei que não é assim. Dei tudo de mim e é isso que importa. Cada fase é uma fase e tem coisas e pessoas que apenas cruzam com a gente nessa vida e passam. Do mesmo modo que outras também  virão. E que o importante é ver quem realmente é concreto, os que sempre foram e sempre serão.

É muito fácil ser amigo em mesa de bar e em almocinho em casa. Amigo de bar a gente arruma, tem em cada esquina do Rio de Janeiro, de Recife, da Europa, até.

Alegria na vida é olhar pra trás e perceber que os seus, aqueles seus de sempre, de fé, de doença, de falta de grana e de coração partido são os mesmos que compartilham dos gozos, dos sucessos, do uisque do bom. E eles continuam exatamente no mesmo lugar. E é um lugar que não fica estático e empoeirado, um lugar que não é nem atrás e nem na frente, mas do lado. Do lado lateral, lado a lado e do lado de dentro, como tem que ser.

Em resumo: além de tudo o que me aconteceu de bom e que me vem acontecendo a cada dia, que não quero compartilhar para que o recalque passe bem longe (com direito a funk e tudo) veio de quebra uma peneira gigante e gratuita (mesmo que na pancada) do que e de  quem eu devo ou não levar pra vida. Nem precisei me dar ao trabalho de fazer isso na retrospectiva 2013, a vida mesmo se encarregou me dando esse presente em forma de realidade. Até na hora de bater a danada de algum modo me alisa.  

Na hora, a pancada dói sólida, mas a dor vem seguida de mágoa líquida, que finaliza em formato de alívio gasoso. Um processo chato, lento, que machuca mas que é necessário passar sem pular etapas. E a leveza que invade varrendo o fim desse ciclo não tem nome. É um troço muito bom e que se eu pudesse, eu engarrafava e dava de presente para o mundo todo. Se é impossível uma sustentável leveza do ser, a gente busca o mais próximo que pode. E essa busca é diária.

Axé, 2014! Obrigada por todos os momentos que em pouco mais de dois meses você já me proporcionou! Vemtimbora que tem é muita vida lá fora (e aqui dentro também). Vibrante. E suave.

quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Varandinha

'Todas as mulheres são complexas até que você encontre a SUA mulher. Ai tudo se torna simples.'

Calani, Gustavo. 

Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2014. Rua Almirante Alexandrino, Santa Teresa.

quarta-feira, fevereiro 12, 2014

Quando a certeza prova que é falha

O instante em que, "apesar de", você continua desejando o bem de algumas pessoas, sim. 

Só que bem longe de você.

sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Aeroporto de Cegonhas

Trabalho fotografando e filmando bebês. Não, não é aquele trabalho da moda, o "newborn", e que entra um "bom cascalho", como Gustavo costuma falar. Eu trabalho filmando e fotografando o nascimento da criança e o que envolve isso, os entornos mais próximos: o instante anterior, no quarto, lembrancinhas, barrigão, beijinhos. O durante, centro cirúrgico, mãe nervosa, pai nervoso e o logo depois, berçário, família emocionada do outro lado do vidro, bebê chorando, pai chorando, família chorando e eu, claro, chorando. Ou quase isso, quase sempre. É tudo meio poético até deixar de ser. É lírico, é um trabalho bonito e "que pouquíssimas pessoas conseguem fazer", como costumo ouvir. Eu também acho. É bonito e a cada parto, a cada click ou take no baby, meu coração explode e a vontade que dá é de sair abraçando pediatra, pai, mãe, enfermeira, bebê, todo mundo. Mas, à essa explicação, faltou explanar um ratito más sobre o centro cirúrgico não tão poético assim: bisturi elétrico cortando a carne, viva. Cheiro de carne viva sendo queimada. Sangue, muito sangue. Seres estranhos saindo de dentro da barriga e sendo arremessados (exatamente essa palavra) pra uma lixeira enorme. Gente de um lado e de outro enfiando uma espátula dentro da barriga pra suspender o bebê. Ele sai. Amassadinho e melado de útero, ainda quentinho e já reclamando da frieza que é essa vida do lado de fora.
"como é que tu aguenta ver isso sem desmaiar, hein?"
Hoje, sei a resposta: É que, ao ver o primeiro sopro de vida surgir, com um choro forte, de prontidão eu transformei meu estômago em coração. 

Ego infla(ma)do

Há gente com tanta necessidade de ter um cortejo seguindo atrás, que, no fim, acaba virando o próprio bobo da corte. E nem nota.

por Gustavo Calani

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

De manhã cedinho


O despertador apontava 6ham quando tocou pela primeira vez anunciando uma tristezinha no meu peito: em meia hora de soneca, o mais tardar e com atrasos 1h de soneca, eu teria que deixar aquela cama. E deixar aquela cama significava muito mais do que encarar a vida lá fora em plena segunda-feira calorenta do Rio de Janeiro: significava te deixar. Te deixar assim, depois do final de semana inteiro dormindo juntos e sem hora pra levantar, naquela lengação tamanha que você sabe que sou mestra.

(não importa a música preferida que você coloque no despertador, você vai passar a odiá-la)

Pés nas pontas pra não te acordar (ainda mais), preparava meu sanduiche enquanto misturava o própolis na água pra te dar. Um beijinho, mais um abracinho, uns cheirinhos, você, entre o sono e a realidade, me falando coisas bonitas. E me abraçando de novo. Beijos, tchau, bom dia, bom trabalho, não perde a hora, melhora logo, não esquece o remédio, beijo, tchau!

Volto à sala e, antes de pegar minha mochila, o sol lá fora me pede algo pra beber. Geladeira, mate gelado, água, mais mate, mais água. Hora de pegar a mochila e partir, já estou atrasada. E, ao chegar na porta, olho de rabo de olho a porta do quarto escorada e meu coração acelerado. Mas eu estou atrasada! Mas meu coração tá pedindo. E volto no quarto, você de ladinho, olhos fechados e tintin com cara de pidão pedindo uma beijoca. Uma beijoca em tintin, outra em você, outra em você, outra em você e teus olhinhos abertos, brilhando.

E um sorriso maior que o metrô que eu provavelmente perdi de pegar na hora e me fez atrasar dez ou quinze minutos. É que o dia pode esperar um pouquinho. O amor, não.

Grandes estranhos

A Mauricio e ao fim de um ciclo

Você não me dói mais, direto assim. 

Não machuca e não catuca. Não sobrou raiva ou rancor. Não sobrou amor de sobra, também. Nem quando você aparece e muito menos quando some. E reaparece pra depois sumir de novo e ficar nesse jogo, agora, tão sozinho, do ir e vir. Você e você mesmo nesta batalha confusa que travou e que foge ao meu poder de entendimento. Desconfio que do seu também.

Você, esse menino dentro de uma pessoa, é uma figura que hoje em dia me diz tão pouco. Não chora e nem faz rir e, ainda assim, quando faz questão de demonstrar sua existência colocando à conta gotas particulas de afeto pra atingir meu coração, você atinge uma parte de nós dois que hoje é só minha e que não morreu. E que não vai morrer, pois não há mais mágoa e, mesmo quando mágoa, nunca me deixou escapar, nem por um segundo, você se virando em dez pra chamar atenção ou não: o desejo infinito de que você esteja e permança bem. 

Hoje, um sentimento unilateral que não tem mais a pretensão de troca. E nem vontade. Apenas (ou não tão apenas assim) o desejo de te saber feliz. Feliz contigo e não por uma coisa de fora, por pouco tempo, como costuma(va) ser: picos altíssimos de alegria e depois tão baixos, abaixo do mais baixo de melancolia. 

Hoje, eu fecho os olhos e, por uns instantes, mentalizo isso. Vez por outra. 

Hoje, não te reconheço mais. Nem ao vivo e nem em uma canção. E não sei se acho isso bom, ruim ou se jogo a responsabilidade de tal feito para a vida. Ou para o tempo. É, acho que para o tempo é conveniente, afinal, todo mundo sempre diz que o tempo isso e aquilo, vai ver é verdade.

Hoje,  não somos mais do que dois grandes estranhos. 

Hoje, pra concluir, sua foto descolou da minha parede, se pendurou na de Raica, não se sustentou e caiu no chão. Você tocando o chão e não mais o piano e seus jazzes inventados. Seu amor inventado. 

Não mais tua mão. 

Não mais.