Minhas melhores poesias não foram escritas, não houve tempo:Pensamento desembestado distante das mãosSão aquelas que balbuciei em voz baixa e repentinamente Como em um texto decorado que nunca havia lido antesVersos que declamei para o meu sorrisoE para o sol raso às cinco da manhã na rua de casaRua envolta por flores de cactus e folhagens com minha vozUma satisfação assustadora, medonha e bonitaNão caberia papel e lápis nesse instante Garfanhotos embriagados escapulindo da minha bocaáridaPalavras que formulei, expliquei e até encenei para uma platéia vibranteQue se resumia nas mil pulsações do meu peito e na vontade ansiosa de chorarUm choro sem vergonha, um choro bem meu A parte que eu mais gosto, é de no final do meu showzinho Poder me olhar(Eu consigo me olhar sem espelho)E pensar no quanto a poesia tem espaço em mim No quanto ela me cabeàs vezes é tanto e mesmo sem quererQue preciso crescer mais uns dez centímetrosPra ficar compatível e não virar represa, senão ela explode(consigo até sentir , de antemão, o roxo cavando meus olhos) Uma represa prestes a explodir n'uma maré frouxa de lágrimas... Mão é carne viva de saudadeTem um coração pulsando bem no centroSem saber se vai, se ficaRepara uma quedaAmarra a fitaAlisa os cachos Sustenta E além do maisÉ riscada em MPor linhas de desejoSem tolice ou ensejoA comadre vai descobrir Mão é o coração do homemQuem acaricia e dá adeus Repare nas mãos, elas nunca sabem onde pousar Ampare as mãos, um dia você há de precisar Apare as mãos para não se entregar Prepare as mãos quando quiser amar
* Essa é para você, porque eu sei (sim, eu sei) que acima de tantos paradoxos ou da tua sede em sempre ver minha beleza externa três vezes mais radiante por dentro, é ai, ai nesse centro de tudo, no chão de terra e chuva que a gente se encontra e bebe do mesmo copo, com a mesma sede, que nem tu e o menino das tintas. E o amor sempre floresce com o adubo do teu sorriso, dos meus olhinhos curiosos, no meu coro cabeludo cada vez mais fértil, no teu abraço que mais parece um muro coberto por eras, no meu pé fora do chão e da semente em nossa mão. Mão na mão. Te amo.
Ontem fui pega de surpresa e mergulhei em um cheiro que parece o dele. Aquele que fica guardado na capa do cd escuro. De amor e luto. Levei um susto mas logo identifiquei. A embalagem original era comprida e em fragrancia masculina. Essa é feminina e de outra marca. Mas as duas tem o cheiro e líquido azuis. Cheiro de domingo. De tardinha, de passeio, de saudade. Lembrei que o perfume da noite eu quase não gostava, mas o de domingo... Parece até que esperava a semana inteira só para sentir esse azul nas blusas tingidas de vermelho, verde,azul, rosa, branca... Tem cheiro de sonho. É azul mais pra céu que pra mar, algodão doce. Lembra barba feita, cabelo molhado, filminho, sorvete, maltado...
(cheiro de banho ou um banho de cheiro).
Tudo isso dentro de um potinho de vidro prestes a acabar. Ainda bem que pode comprar outro. Imagine se só existisse um frasco de cada e ninguém nunca mais pudesse sentir de novo...
Obs: Dor de corno é uma tristeza e a Maria das minhas estórias sempre carrega um ar melancólico,é verdade. É que tristeza dá panos para as mangas, e, engrandece minha percepção de outras vidas, outros rumos, futuro, passado. De eu inserida em outros, outras, em mim e em qualquer pessoa que simplesmente carregue o leve fardo de existir, de estar sujeito ao tudo e ao nada,e, segundo Vinicius, o amor só é bem grande se for triste. E seja lá como for, dor ou amor ou dor de amor, ou do amor até doer, eu gosto dele, do amor fundo nas minhas estórias. Eu gosto de cacimba, lá em casa tem logo duas.
Primeiro me ligou, estremeci. Demorei uns três toques para atender pensando em qual timbre de voz iria usar, a tanto não me ligava... E com um tom tímido e gentil, falou que precisava conversar comigo,ao vivo. Meio sem jeito, concordei. - cinco horas no delta café.
Quando cheguei ele já estava tomando um capuccino. Passamos uns 40 minutos conversando sobre tudo e qualquer coisa que nada tivesse a ver com o assunto principal. Como em um meio de fugir do foco, desviar a atenção, diminuir a tensão ou até de desistir da conversa. Não aguentei tanta agonia e pedi para que ele fosse direto, que fosse no ponto.
"Vou me casar, é isso"
"vou me casar, é isso". É isso??? Como assim É ISSO???
Nesse instante minha cabeça virou um turbilhão de pensamentos e fatos e loucuras. Tantas coisas juntas e ao mesmo tempo que no final não consegui enxergar nada, apenas sentia a maior febre da minha vida. Uma fogueira bem no centro da cabeça. Um misto de frio e fogo. Isso deve ter demorado uns cinco segundos. Os cinco segundos mais duros do ano. Não gosto nem de imaginar como deveria estar minha feição. Acho que faltando algum semblante, morta por cinco segundos.
Acho que sim.
Depois que retornei ao meu estado de consciência, senti a maior raiva que em um peito pode caber. Eu queria ter dito tantas coisas, coisas que talvez o fizesse desistir, mudar de idéia ,e, quem sabe até fugir comigo,dali mesmo... do delta café diretamente para um mundo sem frio, fogueira ou febre. Mas apenas respirei fundo e disse: "parabéns", me virei e sai andando rumo a qualquer coisa que molhasse, que misturasse lágrima com chuva.
Não choveu. Nem a chuva estava a meu favor.
Não saiu nas colunas sociais, não foi uma amiga em comum e mexeriqueira quem disse,não foi uma inimiga. Foi ele. ELE! Como em um acordo infantil inventado por nós. Odeio esse acordo e a nobreza cruel que ele exala. Mas não tem como não amar sua consideração mesquinha que em nada ajuda e o fato de ter me dado a oportuniadade de gritar, mesmo que não intencionalmente.
Inicialmente com esse nome e com versos que não agradaram o 'poetinha' Vinícius de Moraes, a primeira versão de "garota de Ipanema" era assim:
'Vinha cansado de tudo / De tantos caminhos / Tão sem poesia / Tão sem passarinhos / Com medo da vida / Com medo do amor / Quando na tarde vazia / Tão linda no espaço / Eu vi a menina / Que vinha num passo /Cheia de balanço / A caminho do mar'.
(Até 'sem poesia', ele é poeta. Incrível)
Logo essas linhas foram substituidas pela famosa girl from Ipanema que carregou na bagagem uma coleção com mais de 200 gravações, das quais a metade foram feitas exterior. Destacam-se como interpretes: Frank sinatra, Louis amstrong e EllaFitgerald.
A canção foi feita para Helô Pinheiro (19 anos na época), uma moça bonita e anônima que passava todos os dias em frente ao bar Veloso, segunda casa de Tom e Vinicius. Curiosamente ela ficou sabendo da composição, apenas dois anos e meio depois, quando a música já era o estouro nacional e internacional, e, inevitavelmente, em uma entrevista para a extinta Manchete, Vinícius acabou revelando o nome da musa inspiradora.
'Ela é o paradigma do broto carioca, a moça dourada,misto de flor e sereia, cheia de luz e de graça',disse.
Um pouco tenso por desvendar o mistério até então necessário, pois na época não era comum homens casados e mais velhos escreverem músicas para jovens moças, Vinícius completou:
'Para ela fizemos, com todo respeito e mudo encantamento,o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro, e fez da nossa querida Ipanema uma palavra mágica'.
Claro que depois disso, Helô apareceu em várias revistas,jornais, televisão, e, apesar de tal fama, por ciúmes do noivo,não foi a protagonista do * filme que levava sua música como título.
Passou os doze anos seguintes como dona de casa, cuidando de seus filhos, e, quem sabe,lamentando (ou não), o desejo (não realizado) de Tom :
'Oh, minha eterna Heloisa / Sou teu constante Abelardo / Tu és a musa perfeita / E eu teu constante bardo / Venha depressa,Heloisinha / Quem te chama é o Tom Jobim / Te espero na mesma esquina / já comprei o amendoim'.
Ela não apareceu.
* (Filme dirigido por Leon Hirszman e Eduardo Coutinho, e, que apesar do elenco ser composto por todas as figuras que de fato fizeram Ipanema, Vinícius como co-produtor musical, Chico,Nara, Caymme e Baden Powel dando o ar da graça, o longa conseguiu ser um fracasso. História e diálogos bobos em um roteiro que nada tinha a ver com a liberal e irreverente Ipanema de 67).
Curiosidade:
Garota de Ipanema estreou em Agosto de 1962, no show O encontro, como Tom, Vinicius, João Gilberto e os Cariocas. Ficou em cartaz por seis semanas na boate Bon Gourmet, em copa. A música era iniciada de uma maneira que nunca foi gravada:
João Gilberto: 'Tom, e se você fizesse agora uma canção / que possa nos dizer / cantar o que é o amor...''
Tom: '... Olha,joãozinho,eu não saberia / sem o Vinícius pra fazer a poesia...'
Vinícius em tom baixinho: '...Para essa canção / se realizar / quem dera o João para cantar...'
João com a cara séria, como se acreditasse no que dizia: '...Ah, mas quem sou eu / Eu sou mais vocês / Melhor se nós cantássemos os três:''
'Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça
é ela a menina que vem e que passa
no doce balanço a caminho do mar (...)'
Os brotos e a nata da malandragem iam ao mais alto dos delírios.
Fonte: Ela é Carioca - Uma enciclopédia de Ipanema, Ruy Castro.
Lavando a louça depois de um almoço de domingo com a família reunida:
-Mãe, eu tava aqui pensando... por que não são duas esponjas ao invés de uma,hein? A pessoa lava os pratos todos bem engordurados com macarrão, carne... ai depois enfia essa mesma esponja dentro do copo. Vê que nojeira, a gente bebendo vestígios de feijão!
-Por isso que eu sempre lavo primeiro os copos e depois os pratos.
-Sim... ai significa que você terminou lavando os pratos e na próxima lavagem vai começar pelos copos, ou seja, deu no mesmo!
-Mas assim, eu limpo a esponja bem direitinho, carlinha, ai sai a gordura.
-Claro que ainda fica, né? Uma esponja dura um tempão, mesmo que limpe sempre fica uma gordurinha.
É dor a esquina da saudade onde botasse banca Quero desbancar a dobradura Puxar em linha a alegria vivente na tua macumba Macumba de Ana, de lua, de índio E de todas as Anas e Marias que você carrega No peito, no Poço e na Pipa
Por que és, sem dúvidas, A mais pura expressão de todos os ancestrais Da época de paz e amor
Pé na terra, pá no chão
Cabeça, mão e coração
* Faço questão de assinar esse post como Anete que significa "filha de Ana". Esse é o meu maior presente. Um beijo pra Rara que também tem esse privilégio.